Kaos e Irminsul

irminsul
Irminsul by Lucian Stanculescu

Já há muito, diziam que antes de o mundo ser mundo existiam os deuses, e que foram eles que o fizeram, construíram todo o universo. O propósito dessa criação nem sempre é tão claro. Uns dizem que o mundo existe para que o homem possa se aprimorar. Outros dizem que o mundo existe porque essa é a vontade dos deuses e que nós, humanos, não podemos alcançar Suas intenções. De um lado, o homem colocado como centro de tudo. Do outro, já em seu devido lugar, como mais um ser, também limitado e incapaz.

Eu posso dizer que sobre a origem do mundo pouco sei. Os antigos podem estar certos ou não. Pouco importa, o fato é que o mundo é e nós somos também. E isso basta. Porém sobre o fim do mundo eu sei, posso dizer, pois já passei por ele.

Sei, por exemplo, que ao final só sobrarão dois seres. Sim, é uma surpresa que ao final ainda sobre alguma coisa, não é verdade? Mas é assim que é, eu vi. Sobram dois seres, ele e ela. Aprisionados um no outro para todo o sempre. Mas não haverá mais tempo e não haverá mais nada… a não ser eles, um no outro e toda a vastidão vazia ao redor. Ele se chama Kaos e ela se chama Irminsul.

Certamente eles já estão lá e lá sempre estiveram. Mas antes, distraídos que fomos pelas ideias de deuses  e depois pelas nossas guerras e intrigas e depois pelo dinheiro, nunca conseguimos vê-los como poderíamos. Bastava ter olhado. Lá estavam eles, em sua prisão. Sempre desempenharam um papel fundamental em nossas vidas sem que nunca nos alertássemos para a sua presença.

Irminsul sempre apoiando as inconcebíveis estratégias de Kaos para que o mundo fosse sacudido e os seres humanos pudessem vê-los e, talvez, salvá-los e salvar a si próprios. Ela o apoiava em tudo, ela o amava e sua prisão era voluntária. Já Kaos não, ele sempre foi inquieto, amante apenas de suas confusões. E quando digo sempre eu realmente quero dizer sempre. Ele sempre existiu e continuará a existir ainda depois que todo o resto não mais. Kaos envelheceu por demasiado tentar encontrar sentido ao promover o incompreensível, o que não faz sentido e não pode ser sentido. Singularmente envelheceu em um universo onde não há tempo. Ele faz o impossível.

Kaos precisava de Irminsul a seu lado como um feto precisa do ventre de sua mãe. E Irminsul era também mãe. Ela era irmã, amiga, amante. Ela era tudo. No início, Kaos brincava com os mundos, empurrava-os e fazia-os girar alguns em torno dos outros. Por vezes, usava grampos e cola e fazia com que andassem em pares. Depois foi se rebelando contra essa ordem de movimentos, desinteressou-se pelas coisas que antes amava. Desbravou então o cosmos e seus novos desafios. Era tudo grande demais, complexo demais e passou a carregar um fardo pesado demais. Kaos envelheceu buscando um sentido e mesmo depois que os mundos se acabaram, sua busca nunca terminou e nunca terminará.

Após tudo ter um fim resta apenas uma prisão. Nesta prisão habitam apenas dois seres que vivem e viverão eternamente. Ele busca a resposta para as suas perguntas, o que ele chama de “a verdade”. Ela não busca nada e nem ninguém. Ela é um ser puro e simples. Elementar. E Kaos não consegue ver o que está embaixo do seu nariz. Não há espelhos na prisão.

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