Sobre árvores, raízes e o equilíbrio
Vi um desenho de uma árvore com raízes em cima e em baixo. Isso despertou em mim uma cadeia de pensamentos. É incrível como os pensamentos parecem ter vida própria, tomam seus caminhos motivados por sabe-se lá o quê, aparecem quando querem e nem sempre respondem quando os chamamos. Digo isso pois, certamente, essa reprodução das minhas impressões sobre o que pensei não farão justiça aos pensamentos que, de fato, na ocasião me visitaram.
Lembro-me claramente de que algo que me perturbou no desenho não foram os extremos, mas o meio. Explico-me. Uma árvore possui raízes que saem, sedentas, em busca de nutrição, de alimento, de água, de sobrevivência. No outro extremo, os galhos se espalham e com suas folhas captam luz, transformam-na em energia. A luz recebida das folhas e os nutrientes absorvidos na escuridão subterrânea pelas raízes completam-se e permitem a vida. Por vezes, a vida verde, forte, esplendorosa. Por vezes, amarela e opaca. Por vezes, desfolhada e sem apetite. Por vezes, seca e podre.
Enfim, não quero falar sobre essa árvore de raízes e copas, em que cada um tem o seu papel complementar, em que o equilíbrio é natural e evidente. Quero falar da árvore do desenho, aquela árvore com raízes em cima e em baixo. Nessa árvore há apenas uma vontade. Viver, para essa árvore, é importante mas agora o meio de buscar a vida é sempre o mesmo. Não há dois papeis que se completam. A raíz deve se adaptar à viver também lá em cima, nos ares, tentando fazer o que melhor puder para que cumpra o que dela não se espera. Ela quer sobreviver ainda que na ausência das copas, dos galhos, das folhas. Ela quer mostrar que eles não são necessários, que a árvore pode confiar nela, que ela vai dar conta do recado, sozinha, disposta a tudo, mergulhando no infinito em busca de salvar-se. Agora posso retomar o assunto que antes apenas mencionei, foi nesse dilúvio de pensamentos vadios que a árvore com raízes em cima e em baixo me assaltou com a pergunta: “o que tem ali no meio”? Qual é o balanço dessa árvore? O que pode haver quando os dois extremos são iguais ao invés de se completarem?
Antes de conseguir recompor os pensamentos e divagar ainda mais sobre essa pergunta, atenho-me aos significados da palavra raíz. Raíz que, para muitos, significa imobilidade, mas também segurança. Essa ideia de que a raíz pode simbolizar uma espécie de âncora, que te aprisiona a onde se está plantado, que impede saltos e passos, me faz pensar que a árvore com raízes em cima e em baixo é uma árvore rebelde. As suas raízes não querem mais ficar em baixo da terra, cumprindo seu papel em silêncio obediente. Elas agora saltam aos ares. Elas aparecem na luz do dia. Seriam dois tipos diferentes de raíz, duas naturezas? Ou apenas a mesma raíz que decidiu seguir outro caminho, cumprir outro papel, depois de anos de dedicação a seus deveres de buscar alimento, de dar segurança?
Pois bem, conto agora o que eu vi no meio daquela árvore. Eu vi poesia! Sim, ali no equilíbrio obtido pelas raízes nos dois extremos da árvore, uma delas estirada em busca de desafios e a outra esticada em busca de segurança, há poesia em forma de madeira. E nessa madeira central pude observar a robustez do tronco daquela árvore. No ponto central deste tronco, a casca já um tanto desgastada, picadas de um pica-pau, galhos com ninhos de pássaro e até abelhas. Chamemos esse ponto de presente. A árvore é sabedora de que tudo aquilo que está abaixo desta parte central, do presente, formam o seu passado que vai dali até a ponta daquela raíz sadia que traz a nutrição. Essa metade da árvore é tudo o que ela já viveu. Esse caminho, já percorrido, é aquilo que nada e nem ninguém podem dela tirar. Todas as experiências foram acumuladas e ela sabe que dali tira seu sustento e um pouco mais. Esse um pouco mais é o que essa árvore redistribui para o outro extremo, aquele com a raíz aventureira, que quer desbravar novos ares em busca de experiências, que quer sentir o vento batendo nas suas extremidades sensíveis de raíz diferente. A árvore – e o seu tronco – sabem que é para isso que vale a pena ficar parado e esperar, para podermos ser recompensados com a possibilidade de avançar na direção certa e sem medos, quando o momento chegar.
Tudo isso a árvore com raízes em cima e em baixo me ensinou. Que pode, sim, haver beleza em extremos. Não há ponto intermediário, equilíbrio e balanço sem eles.
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