Há muito mais para se viver do que romances
Pode ser que você esteja, neste momento, vivendo um grande romance. Uma vida a dois, com um companheiro bacana, que te entende e que te deixa ser quem você é, sem provocar conflitos desnecessários e mantendo sempre o respeito pela sua individualidade. Pode ser que esse relacionamento esteja, inclusive, te potencializando e ensinando mil e uma coisas sobre você mesmo. Pode ser que se esteja amando, apaixonados, encantados um pelo outro. Se este for o caso, parabéns! E aproveite muito bem as benesses trazidas por ter alguém com quem compartilhar a vida.
Pode ser, no entanto, que este não seja o seu caso, como não é o meu. E para você afirmo, sem dor de cotovelo: há muito mais para se viver do que romances. Talvez as descobertas mais sinceras que fazemos sobre nós mesmos e a vida são feitas estando-se sozinho. Se não nos deixarmos prender pela obsessão de “termos” alguém – como se apenas assim pudéssemos ser felizes – podemos desfrutar do fato de estarmos só e construirmos uma vida que vale, e muito, a pena ser vivida. Passar mais tempo com os amigos, conhecer novas pessoas, divertir-se, ler mais, ver mais filmes, praticar esportes, investir em nós mesmos e nas coisas que gostamos de fazer, correr atrás de nossos sonhos, buscar a nossa própria perfeição.
Eu escrevi, de propósito, uma série de itens nesta lista que não dependem de estarmos sós para fazermos. Mas, em geral, estar só traz consigo algumas vantagens para que esses itens sejam executados – desde que a gente não passe a focar toda a nossa energia em não estar só. Sozinhos, não dependemos de ninguém para definirmos como empregaremos nosso tempo livre. Estamos, também, livres para vivermos novas aventuras. Viajarmos sem grandes planos e sem a necessidade de conciliar agendas, estar mais aberto às pessoas e conhecer gente nova sem o medo (mais sobre isso daqui a pouco) de ser mal interpretado sobre suas intenções, definir o que se quer e buscar empregando TODOS os nossos recursos para que seja alcançado, se estiver de fato ao nosso alcance. Alçar voos e aquietar-se. Criar uma banda musical ou estudar inglês em Dublin. Não há barreiras para quem é adulto, dono de seu nariz e está focado em ser feliz. É claro que há o caminho da felicidade a dois, mas buscá-lo diretamente é, a meu ver, um grande engano.
Ainda há dois pontos a discutir aqui. O primeiro é a eterna discussão se existe ou não amizade entre homem e mulher. Na opinião inconsciente de muitos e, talvez principalmente das mulheres, somos todos maníacos sexuais. Se eu sou um homem e me aproximo de uma mulher, naturalmente estou interessado sexualmente nela. Talvez, se eu for romântico, posso ter um interesse que vá além. Mas é absolutamente impossível que eu queira simplesmente conhecê-la e, caso ache-a interessante e vice-versa, tenhamos papos agradáveis com frequência, passemos a ter uma convivência social e nos importar um com o outro. Isso a que damos o nome de amizade. Essa visão, sedimentada em nossa sociedade, é de dar dó e é uma pena. As pessoas complicam desnecessariamente a vida. Esse ponto é importante no contexto desse farelo pois não buscar romances e, ainda assim, estar aberto às pessoas passa por conhecer muita gente. Homens e mulheres, de idades variadas e opiniões e histórias de vida diferentes. E isso só é possível com boa vontade e menos pre-conceito tanto dessas novas pessoas que se conhece quanto dos amigos e familiares que já trazíamos conosco. E se houver um interesse em um romance, que isso seja claro e sem confusões. Simplicidade ajuda a trazer a felicidade para a vida.
O segundo ponto que quero debater é se eu estou aqui então defendendo que uma vida solitária é mais feliz que uma vida a dois? Evidentemente que não, mas prefiro deixar isso explícito! Eu acredito que um relacionamento é um excelente complemento, que potencializa! Mas, em muitos casos, se o parceiro não for o adequado, se não houver sintonia e respeito, ao invés da tal potencialização há anulação, desvios e infelicidade. Para que uma vida a dois valha a pena é necessário que possamos continuar sendo um. Mas um “um” que tem um outro “um”. Dois indíviduos com personalidades, carreiras, interesses e talvez até sonhos diferentes! Mas que se entendem, se respeitam e se ajudam! Se não for assim, aquela lista que citei acima fica muito comprometida. E apenas satisfazer as necessidades criadas pela vida de casal pode não ser o suprassumo da felicidade para boa parte das pessoas.
A vida a dois quando não é azeitada introduz amarras. É comum vermos casais que fazem tudo aos pares: se um deles está indisposto para ir a uma festa com os amigos, o outro não vai. Se durante uma festa um deles fica com sono e quer ir embora enquanto o outro ainda está com pique vemos os dois irem embora ou um deles amuado no canto. Por que não simplesmente fazer as coisas separadamente? Enquanto vivi em Lyon eu fui ao cinema com uma mulher casada! Só eu e ela e com o consentimento do marido! Já fui em festas em que encontrei membros de um casal de maneira separada. Inicialmente estava um deles, depois chegou o outro carregando o filho deles… depois inverteram-se os papeis, o que havia chegado primeiro partiu para outra festa levando o filho enquanto o segundo continuou, sozinho, com os amigos. Lá cenas desse tipo eram a regra e não a exceção. Mas, aqui, o preconceito e as amarras sociais impedem que essas coisas aconteçam. Impedem pois não fazemos esforço em não pré-julgar e em respeitar as vontades do outro – e as diferenças entre nós.
É por conta disso tudo que digo que há muito mais para se viver do que um romance! E, quando formos viver nossos romances, que tenhamos em mente tudo o que nos é caro. Só assim saberemos o quanto a vida a dois está somando e o quanto está subtraindo para podermos ficar do lado positivo da equação. Na vida, um às vezes é mais do que dois.
0 Seja o primeiro a curtir esse farelo