Coragem e criatividade: a felicidade mora ao lado
Você sabe aquela sensação de que a vida é uma eterna repetição? Você conhece aquele sentimento de que, no fundo, no fundo, estamos desperdiçando nosso tempo por aqui? Você já sentiu vontade de recomeçar tudo de novo, do zero, quando as coisas não vão bem? Há aqueles que, em situações difíceis e mais sensíveis às dificuldades impostas pela vida, chegam mesmo a acabar com as suas pela via covarde do suicídio. Eis que, no último mês, dois amigos meus tão iguais entre si quanto uma arara azul e um poste de luz me deram, basicamente, a mesma lição de vida: coragem e criatividade podem ser uma receita para uma vida nova. E eu não podia deixar de dividir essas saborosas histórias com vocês, leitores das ladainhas que conto quinzenalmente aqui.
O primeiro amigo, um italiano espirituoso e dono de frases emblemáticas que procuro guardar comigo e repetir sempre que apropriado, dividiu comigo a estratégia do ano sabático programado. Ele leu uma reportagem (clique aqui para ler, em italiano) sobre locais do mundo onde é possível passar um mês com 350 euros. E não são lugares quaisquer. Tailândia, Filipinas ou Camboja, na Ásia. Costa Rica e Belize, na América Central. Todos belos locais, paradisíacos, locais turísticos. Peguemos o paraíso caribenho que é Belize como exemplo. Uma passagem aérea saindo no dia primeiro de fevereiro do ano que vem (a volta não importa, em nossa simulação) sai por volta de R$ 3.300,00, com todas as taxas. A cotação do euro hoje está alta, R$ 3,19, o que faz com que os 350 euros da reportagem valham por volta de R$ 1.100,00. Portanto, para ir até Belize e passar um ano por lá, precisaríamos ter aproximadamente R$ 16.700,00.
Pois é, eis ai a teoria do ano sabático no paraíso caribenho (veja foto ilustrando a coluna de hoje). Ela se aplica para quem tem R$ 16.700,00 guardado – não é tanto assim – ou ao menos possui um carro popular para vender e fazer caixa. A ideia é que se a vida aprontar das suas e nos vermos em situação difícil, daquelas de arrancar os cabelos, de ter vontade de recomeçar tudo do zero, antes de tomar qualquer decisão mais drástica ou de desistir e ficar sem rumo, pegamos esse dinheiro, compramos o bilhete para Belize e pronto, acabamos de ganhar 12 meses para repensar a vida. O poder de termos um ano sem ter que nos preocuparmos em trabalhar para sobreviver, de podermos, de fato, ver a vida passar e pensar o que queremos de nossas vidas, o que nos faz felizes, o que é importante, é algo bastante tentador. A princípio, pode-se pensar que serão 12 meses de férias mas, estou seguro, seria bastante diferente disso. Talvez nas primeiras semanas aproveitássemos para relaxar e refletir, mas logo a vida ganharia força e nossos anseios e inquietações fariam com que achássemos um caminho, um novo caminho, um recomeço. Sem pressão, sem stress, com o mínimo garantido, aposto que muito antes dos 12 meses serem completados os problemas que nos levaram a Belize teriam perdido importância, relevância. Eu já comecei a guardar os meus R$ 16.700,00 com ansiedade, trata-se de um excelente plano B.
OK, vocês podem estar pensando, mas esse cenário descrito pelo seu amigo italiano é legal para uma mesa de bar, uma discussão de boteco entre amigos, quase que uma piada, um blefe. Na prática, ninguém se atreve verdadeiramente a jogar tudo para o alto e ir encontrar-se em meio à natureza para um recomeço. E é neste momento que eu saco da manga a história da minha amiga, brasileira, e que não tem nem perto dos R$ 16.700,00 para o reinício citado anteriormente e que, nem por isso, teve medo de ir correr atrás de sua felicidade, da maneira que ela encara ser a que mais que tem a ver com ela.
Ela sentia-se oprimida pela vida urbana, pelo supérfluo do ter e exibir o que se tem, pelo trabalho incessante em escritórios fechados e a baixa qualidade de vida nas cidades para aqueles que amam a natureza e o contato com o verde, ansiava por uma vida mais lenta, mais tranquila, mais singela. Eis que, nessas circunstâncias, troca emprego e a busca de outras oportunidades profissionais por uma passagem aérea em direção a Arraial d´Ajuda, na Bahia. O dia da viagem? O dia 25 de dezembro, o dia do natal. Pergunto a ela se há um motivo especial e ela, em sua simplicidade, responde: “Era o dia mais barato. Meu voo sai cedo, as 5 da manhã”. E eu me pergunto se o destino não conspirou para que o seu renascimento não tivesse início justamente nesse dia em que celebramos o nascimento daquEle que veio nos libertar. Além da passagem leva consigo pouco mais de mil reais e muita vontade de viver em meio à natureza, de precisar de menos para viver mais, de limpar-se de dependências de status, de posses, de riqueza. É arriscado, para aqueles que são conservadores, é mesmo uma loucura. Eu acho invejável e torço para que dê tudo certo nesta bela aventura que tem tudo para dar certo e, digo mais, que tem tudo a ver com ela.
Lições de vida de meus dois amigos. Um com criatividade e a outra com coragem, ambos mostrando que temos que planejar e agir para que a felicidade não seja um visitante sabático em nossas vidas, mas que sim faça morada. No fundo, o que aprendi é que a felicidade não vem nos visitar ou, quando vem, é visita rápida e fugidia. Temos é que descobrir onde ela mora e irmos nós à sua procura, bater à sua porta, estender a rede na sala de estar e deitarmos tranquilos em sua boa companhia.
Publicado originalmente aqui.
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