Cine 42 – Aquaman
A DC e seu universo cinematográfico vem aos poucos se recuperando. Mulher-Maravilha foi um bom filme e deve muito ao carisma da protagonista. O mesmo pode ser dito sobre Aquaman, cujo ponto forte é seu elenco que dá vida e entusiasmo a um roteiro / trama ora confusos, ora mal-desenvolvidos, ora esquemáticos. Mas a sensação geral, ao final da experiência, é satisfatória. Seja pelo impacto visual dos diferentes mundos submersos, seja pelas boas cenas de ação – em especial a que se passa na Itália, seja por Jason Momoa, Amber Heard, Nicole Kidman, Willem Dafoe, Patrick Wilson e – pasmem! – Dolph Lundgren, que entregam boas versões em carne-e-osso dos personagens dos quadrinhos (e desenhos animados).
A trama pode ser resumida da seguinte forma: humano e atlante (seres que habitam e reinam nos oceanos da Terra) se apaixonam e tem um filho
mestiço, de nome Arthur Curry, que pode ser a chave para unir os reinos dos mares e evitar que estes se revoltem em uma guerra contra os seres da superfície. Em sua jornada para transformar-se em herói, ele contará com a ajuda do mentor Vulkor e da futura rainha Mera de Atlantis, noiva de seu meio-irmão e atual rei, mas não sem antes ter que se livrar de uma perseguição vingativa de um pirata e encontrar o tridente que vai lhe conferir a autoridade que precisa para governar os oceanos. Esta trama é apresentada, de forma quase linear, no trailer de divulgação do filme – veja a seguir.
O personagem Aquaman (Jason Momoa) foi, durante muito tempo, objeto de zoeira por parte dos fãs de quadrinhos e super-heróis, muito por conta de sua representação na animação Superamigos, dos estúdios Hanna-Barbera. O poder de “falar com os peixes” e a clássica roupa laranja-e-verde foram ridicularizados durante um bom tempo por fãs e até em adaptações como a faixa Adult Swim do Cartoon Network, décadas depois da animação original dos anos 70. O personagem até tinha sido reinventado, mais recentemente, com uma versão mais brutal e visceral, de cabelos compridos e abandonando a roupa original, em busca de dignidade. Diante deste histórico, entendo como corajosa a adaptação que abraça – e dá ares reais – ao traje laranja e também adota o poder de comunicação com os peixes tanto na formação (cena do aquário com o personagem criança) quanto na afirmação do herói (resolução da trama com o Karathen – cuja voz é da brilhante Julie Andrews).
Além de terem abraçado o herói com carinho e entregue a ele um filme digno com ótimo elenco, os efeitos especiais e a direção de arte conseguem criar um mundo aquático convincente e visualmente deslumbrante, com alta tecnologia e certas soluções que soam “desnecessárias”, como pontes em um mundo submerso dentre outros apetrechos que parecem pouco funcionais embaixo d´água. Apesar disso, acredito que há pouca profundidade e personalidade na distinção entre os diferentes reinos submersos, que soam apenas como elementos de roteiro para adiar os planos do Rei Orm (Patrick Wilson) para atacar a superfície – dando assim tempo do herói de completar sua jornada e vir salvar o dia.
E é justamente na trajetória do herói entre não querer ser rei até sê-lo que o filme tem seus piores momentos. Eu gosto da sub-trama envolvendo o Arraia Negra, uma espécie de Tony Stark do mal que em busca de vingança contra a morte de seu pai que Aquaman poderia ter evitado, constrói uma super-armadura empregando tecnologia atlante para tentar dar cabo do herói e protagoniza aquela que é, para mim, a mais emocionante cena de ação do longa – justamente por ser menos confusa do que as longas batalhas épicas sub-aquáticas. Apesar disso, acho que as sequências de ação com o Arraia Negra arrastam o filme além do que devia, apesar do personagem ser relevante por ser parte da trama política do Rei Orm.
(Spoilers da trama neste parágrafo) Porém, a jornada do herói em busca do tridente do rei Atlan, com o apoio de seu mentor atlante Vulkor (Willem Dafoe) e da futura rainha Mera (Amber Heard) mostram um pouco da preguiça do roteiro. Em determinado momento, Arthur e Mera se veem no deserto do Saara, onde encontram uma espécie de Fortaleza da Solidão de areia, com direito a holograma do Rei Atlan. O roteiro nos direciona até lá ao colocar nas mãos de Mera uma espécie de GPS que sabe a localização exata do templo perdido. Como? Parece que não precisamos de explicação, é só aceitar e pronto. Lá os heróis ouvem um enigma que envolve a visão de um rei verdadeiro, o que acaba sendo resolvido na Sicília com uma estátua de um rei romano. Mas ei, espera ai, será que a história romana é posterior aos eventos que destruíram o reino de Atlan ao ponto de ele poder usá-los como referência de seu enigma? A mim, pareceu bem estranho… (fim de spoilers)
O roteiro também não entrega tanta originalidade ao fazer com que o herói tenha que erguer o tridente de Atlan encravado em seu altar tal qual uma Excalibur (e fato de ele também ser um Rei Arthur ajuda na referência) e ao imitar a trama principal do recente Pantera Negra, da rival Marvel, com dois parentes em duelo para se legitimar rei.
Todos estes pequenos defeitos ou problemas não atrapalham a experiência geral, apenas fazendo com que o resultado final seja agradável embora jamais ser memorável.
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