Eddie & Glen
Eu já os admirava isoladamente. Eddie desde há tempos, desde que comprei aquele vinil do Vs e ouvi Go, W.M.A e Daughter. Hansard desde que assisti ao incrível Once – Apenas uma Vez, em que o músico interpreta um músico de rua que inicia um novo relacionamento com uma imigrante tcheca. Na época o filme causou uma impressão tão forte que escrevi minhas impressões imediatamente, clicando ali no nome original do filme dá para ler.
Até o anúncio de que Eddie Vedder faria uma turnê brasileira e de que Glen abriria os seus shows por aqui eu não via relação alguma entre eles. Pela raridade de poder ver Hansard ao vivo confesso que seu nome atraiu minha atenção até mais do que a do próprio Eddie. Demorei para comprar ingressos e só consegui pois anunciaram, devido à alta procura, um show extra na terça-feira, dia 6 de maio de 2014.
E foi mágico. Foi mágico até mesmo por ter sido a primeira apresentação dos dois nesta mini-turnê. Esse fato proporcionou momentos únicos, como a tímida entrada de Glen ao palco e a posterior confissão de que ele não sabia como seria recebido pelo público, ansioso por Vedder. E para minha grata surpresa ele foi recebido com entusiasmo, aplausos e sendo acompanhado em coro e palmas pela plateia ao repassar as principais músicas do filme Once, cheio de energia ao tocar freneticamente seu violão e com muito carisma para conduzir a sua curta apresentação de cerca de meia hora apenas. Houve espaço também para um ukulele (que ele nos informou que não seria o único que veríamos naquela noite!) e outras canções de seu repertório com a sua banda, The Frames.
Foi curioso o esforço em tentar falar português, com um papel amassado no bolso sacado algumas vezes para uma comunicação em nossa lingua – ainda que com muito sotaque. Informou-nos que São Paulo era a maior cidade na qual já havia estado e, ao final, fez um sincero agradecimento por temos ouvido. Comentou, de forma engraçada, que o próprio Eddie Vedder havia dito, instantes antes de sua entrada no palco, que ele não sabia como o público reagiria ao seu concerto e que não havia nada que ele pudesse fazer a respeito.
O palco é então preparado, entram daqui, saem dali. Um piano, dois violões, um ukulele, uma guitarra elétrica. Eddie que é super conhecido por sua voz, seu timbre tão marcante – que é até bastante imitado por outros cantores – mostrou-se um instrumentista de mão cheia, alternando-se entre os vários instrumentos com desenvoltura. Da mesma forma, alternava músicas mais intimistas (com o violão ou o ukulele) com outras de mais peso (com a guitarra) ou com nova roupagem (como Bugs, do Vitalogy, tocada ao piano).
Foi um concerto muito intenso e envolvente. Também ele usou papéis com notas para falar português mas com uma veia humorística, para mim, desconhecida. Em certo trecho leu algo como “Eu sei que meu português é uma m****”, o que se torna ainda mais engraçado pois veio depois de ele ter lido, com tamanha dificuldade, várias outras frases em nossa língua.
Em outro momento, pessoas da plateia pediam músicas e ele diz “Pois é, infelizmente eu não ouço nada do que vocês falam… vocês sabem, eu tenho um outro emprego bem barulhento”. Um pouco além, em um dos vários momentos em que meninas histéricas gritavam seu nome ou qualquer outra coisa, ele para, sério, olha para o público e diz “Eu não quero soar desrespeitoso, mas você acabou de dizer que quer dormir comigo, não é? Bom, as pessoas dizem que a gente só ouve o que quer, não é mesmo?”. Um pouco mais adiante, alguém pede uma música, ele diz que “agora deu para ouvir… mas essa aí eu não sei tocar… mas antes do bis eu aprendo rapidinho e eu toco na volta”. Figura.
O repertório do concerto-solo é bastante focado no trabalho solo dele, principalmente a trilha de Na Natureza Selvagem (Into the Wild) e o álbum Ukulele Songs, mas houve espaço para muito mais. O concerto já abriu com uma inesperada versão de Moon Song, música-tema do excelente filme Ela, de Spike Jonze. Houveram várias incursões por pérolas do Pearl Jam, além da já citada Bugs, como Can´t Keep, Immortality (cantada em coro) e Betterman, dentre várias outras. Covers foram vários também… alguns que eu reconheci como Ramones (I Believe in Miracles) ou Cat Power (Good Woman) e outros que não conhecia, de gente famosa como Neil Young (The Needle and the Damage Done) e a super-pedida pelo público Crazy Mary, de Victoria Williams.
Vedder tocou uma primeira sessão de aproximadamente uma hora… saiu do palco, voltou rapidamente e tocou um outro set list com quase dez canções. Saiu e voltou novamente para então, mais de duas horas depois, encerrar uma apoteótica noite de música, gargalhadas, alegria e uma energia contagiantes. Para o segundo bis ele voltou de skate – apesar de ter aparecido andando bastante curvado e com aparente dificuldade durante todo o tempo antes disso. Houve um arranjo vocal, ao final do primeiro bis, com repetição de sons guturais, algumas frases em sobreposição criando uma atmosfera única, com todas as luzes apagadas, em um improviso que me fez valorizá-lo artisticamente ainda mais, por arriscado, inesperado e singelo.
Ainda mais marcante foi, lá pelas tantas durante o primeiro bis, vê-lo chamar Glen Hansard para dividir com ele o palco do Citibank Hall e ali, tal qual um padrinho, ajudar o público a reconhecê-lo.
Tocaram Sleepless Nights, do Ukulele Songs. A galera enlouquece. Eddie aproveita e ao fim da música diz: “Vou aproveitar que uma das mais belas canções que conheço foi composta pela pessoa que está aqui ao meu lado e cantá-la junto com ele” e emendam “Falling Slowly”. Indescritível, arrasador. Seguem-se várias outras canções até o bis final, em que a dupla volta a tocar e cantar juntos, desta vez a arrebatadora Hard Sun, da trilha de Into the Wild.
E é pensando no sol que me recordo de um dos vários trechos lidos, em português, por Eddie Vedder. Em uma delas ele diz que o Brasil é como uma grande e bela lua em sua carreira, que atua como um centro gravitacional sempre atraindo-o de volta e de volta de novo. Amém. Que ganhemos cada vez mais massa para continuar atraindo-o até que o seu português deixe de precisar ser previamente escrito. E que seus amigos irlandeses sejam sempre bem-vindos.
Obrigado Eddie. Obrigado Glen. Foi uma linda noite de música e de sonhos.
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