Los Hermanos: Amarante x Camelo

Los Hermanos é uma banda única. Apesar de guardar semelhanças com diversas outras. Musicalmente e em termos de trajetórias há interessantes relações com os Beatles, o que nunca é ruim.

Final da década de 90 e Anna Júlia, o seu maior hit e quase sinônimo da banda para todos os que não a admiram, tocava incessantemente nas rádios e em todos os programas de TV. O clipe com a bela Mariana Ximenes era exaustivamente repetido na MTV. Parecia mais um daqueles fenômenos de banda de um hit. E, de certa forma, era. Um trabalho de produtor, uma música de trabalho grudenta, pegajosa até, mas muito bem concebida, simples, um sucesso. Tanto que o ex-Beatle George Harrison a regravou.

Consigo até imaginar os bons músicos e letristas da banda discutindo com o produtor do primeiro álbum e após toda a repercussão, promessa de sucesso cumprida, shows e mais shows agendados e um público sedento por uma canção. E o resto do concerto? Bem, quando se olha para as demais músicas do primeiro álbum até encontra-se outras músicas “de trabalho” (Primavera, por exemplo), mas também há o lado mais experimental e conceitual que viria a caracterizar as composições da banda (Pierrot, Azedume).

Rótulos servem para essas ocasiões e muitos deixaram de considerar Los Hermanos como uma banda que pudesse trazer algo de bom. Anna Júlia era comercial demais para que o público indie, cult pudesse voltar a dar uma chance à banda. E conheço vários amigos que, como comigo, deixaram esse preconceito atrasar consideravelmente a verdadeira descoberta da banda.

Pois com o segundo álbum, O Bloco do Eu Sozinho, o grito de independência estava dado. Um álbum que namorava a MPB, tendência reforçada dai por diante, e no qual ficava muito clara a divisão criativa que é a força maior da banda. Seus dois compositores, Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante, dividiam várias das composições do álbum, alternando os vocais e, de certa forma, os estilos. A voz rouca e ritmada de Amarante e a voz mais suave e as vezes falha de Camelo, mas apoiadas por letras impactantes. Apenas para forçar a comparação, as diferenças entre McCartney e Lennon também foram a força motriz por trás dos Beatles, empurrando-os para sempre desafiar limites, impondo um nível de qualidade altíssimo às suas composições.

Acredito que essa dualidade foi essencial para que Bloco do Eu Sozinho fosse um álbum exemplar. Completamente diferente do primeiro, sem nenhum hit avassalador como Anna Júlia, serviu para reposicionar a banda no cenário musical brasileiro. De “banda da Anna Júlia” passou a ser uma banda “intelectualizada”, que misturava rock com MPB, músicas conceituais e letras acima da média. E isso, também, cria seus preconceitos. Muitos críticos musicais passaram a classificá-la como “pretensiosa” e “chata”.

O primeiro álbum, marcado por Anna Júlia, pode ser considerado um trabalho em que Camelo prevaleceu. Apesar de uma certa divisão de bons resultados no segundo álbum, Amarante pode ser considerado o “vencedor” já que Sentimental é composição sua e é destacadamente a melhor do álbum. A Flor, música cantada em duo, é outro ponto alto.

Mas Camelo dá um verdadeiro baile na obra-prima da banda: Ventura. O álbum é perfeito com todas as músicas com sua razão de ser, devidamente encadeadas, letras bem encaixadas, MPB e rock em perfeita sintonia. É fato que Amarante emplacou “Último Romance”, que está entre as melhores do álbum, mas Camelo conseguiu compor uma santíssima-trindade do Los Hermanos: O Vencedor, De Onde vem a Calma? e Cara Estranho. E isso por que Tá Bom e Além do Que se Vê são também excelentes.

Com o placar favorável, Camelo não sabia o que o esperava para o quarto – e até agora último – álbum da banda, batizado Quatro. É o caso contrário de Ventura. O álbum é difícil, demorou para cair no meu gosto – que esperava algo próximo do trabalho apresentado anteriormente. Aqui não há mais rock, temos apenas MPB. As canções de Amarante se destacam, como O Vento e Condicional. Camelo aparece com Fez-se Mar, o seu melhor trabalho neste álbum. Mas a vantagem de Amarante é tão acachapante que, talvez devido a isso, a banda resolveu dar um tempo. Aqui um outro paralelo com os Beatles, que decidiram parar no auge de seu sucesso justamente por não mais conseguir conciliar as diferenças criativas entre suas duas balizas.

Sem mais shows e rotinas de gravação, Amarante foi para os EUA encontrar-se com o brasileiro Fabrizio Moretti dos Strokes e formar o Little Joy. Era um trabalho diferente do exercido nos Los Hermanos em qualquer fase. A criatividade e a vontade de inovar ainda eram fortes.

Já Camelo seguiu o caminho óbvio, lançando-se em carreira solo e dando continuidade à sua guinada para a MPB. Nós (ou Sou), seu primeiro álbum, tem algumas boas músicas mas parece um rescaldo do Quatro. A música de trabalho, Janta, é interessante e foi cantada com o seu affair Mallu Magalhães, à época com 15 anos (ou algo assim).

Até que ponto existia mesmo essa rivalidade entre eles? Até que ponto essa era a receita para a inovação, a criatividade e a qualidade da musicalidade da banda? Eu acredito que a rivalidade existia e era, sim, essencial. Às vezes a motivação que precisamos para fazer algo muito bem é justamente mostrarmos a alguém que podemos ser tão bons quanto eles… e assim, nos superamos.

O Los Hermanos está voltando do seu “recesso”. Ir a um show deles é algo que quero fazer enquanto for possível. Amarante e Camelo juntos, hermanos, no mesmo palco, rivalizando-se e proporcionando aos seus fãs o deleite de apreciar grandes canções.

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