Música em movimento

Música me move. Música é meu combustível. Se eu pudesse eu ouviria música o tempo todo ou, ao menos, quase todo o tempo.

Desta forma passei a ouvir música em movimento. Ao escolher o meu novo aparelho celular cuidei de optar por um que lesse cartões de memória e fosse um MP3 player de forma a matar dois coelhos com uma só carteirada. E consegui. Transferi algumas coisas para os 2GB (não tanto quanto gostaria) do meu cartão e passei a ouvir música enquanto ando a pé ou de bicicleta, de casa para o laboratório e vice-versa. Assim, além de ouvir música durante o trabalho e quando estou em casa, também posso passar a ouvir música no trajeto entre um e outro. Música, música, música.

Ponto positivo: a função shuffle do aparelho funciona bem contribuindo para a imprevisibilidade (dentro do limite do possível em 2GB) da faixa seguinte. Isso é muito legal pois nem sempre quero ter uma playlist definida a priori. Por vezes é muito interessante definir apenas os parâmetros iniciais e ver no que dá, como se as músicas fossem elementos químicos e a ordem em que elas se arranjassem tivessem algum significado maior do que as partes, formando um todo muito mais complexo.

Nesses 2GB eu coloquei um pouco do que estava à mão (no computador, digo): Maré da Adriana Calcanhotto, Qualquer do Arnaldo Antunes (reforçando: Qualquer é o nome do álbum), Selmasongs da Bjork, Céu, Ceumar, Mariana Aydar, Marcelo Camelo, Editors, Interpol, Franz Ferdinand, System of a Down, Of Montreal, Radiohead, Roberta Sá e Yardbirds, dentre outros. A mais completa miscelânea capaz de fazer as mais absurdas combinações.

Mas, logo no primeiro dia, uma combinação um tanto bizarra aconteceu e me fez pensar bastante. E não estou mentindo. Pouco antes de eu chegar ao laboratório, começou a tocar “107 steps” do Selmasongs. Para aqueles que não viram “Dançando no Escuro” (Dancing in the Dark), belíssimo e muito triste filme do Lars Von Trier, feito no ano 2000 e com a minha musa musical Bjork em sua única atuação, por favor vejam. A próxima frase é perigosa para quem não assistiu. Vamos lá, essa música é da trilha sonora do filme e retrata os últimos 107 passos da personagem em direção à sua execução, já que ela foi condenada à morte por roubar (o seu próprio dinheiro) de seu vizinho, para pagar uma operação nos olhos de seu olho, evitando assim que ele também não enxergue, como ela, e possa ter uma vida normal. E a música começa com uma narração da contagem dos passos, que evolui lentamente para uma melancólica exaltação dos números.

O mais impressionante é que à medida que ela contava os passos para seu triste fim eu também subia uma escada, em direção à minha sala, e era inevitável pensar em começar a contar os degraus e pensar se também eu caminhava para uma execução ou apenas de volta para minha cela, digo, sala. Evidente que não, mas a coincidência foi interessante e exemplifica como a aleatoriedade pode rearranjar eventos e dar a eles um novo significado. E mais ainda, como o simples fato de ouvir música pode transformar atos simplórios como subir escadas, abrir portas ou olhar por uma janela e nos fazer viajar em pensamentos. Quem sabe, esses pensamentos podem nos empurrar em viagens reais e essas viagens reais possam impulsionar novas músicas e novos pensamentos, em um constante movimento que teve início com uma canção, escutada quando estávamos imóveis (ou não).

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