Quanto vale a vida de uma barata? Ou histórias do Australian Open 2020
A edição de 2020 do Australian Open, um dos quatro principais torneios de tênis do mundo, encerrou-se no início do mês de fevereiro, no dia 2, uma manhã de domingo no Brasil. Neste dia, o sérvio Novak Djokovic bateu o austríaco Dominic Thiem para ganhar pela sétima vez o torneio e pela décima-sétima vez um grand-slam, justamente o nome que se dá aos tais quatro torneios mais importantes deste esporte, lista completada pelos torneios de Roland Garros (França), Wimbledom (Reino Unido) e US Open (Estados Unidos).
Mas este texto não pretende falar sobre a conquista do sérvio em si. Eu até sonhei – e às vezes ainda sonho – em ser um jornalista esportivo, cobrir e comentar os eventos que aprecio e comento de graça aqui de casa. Não, eu quero aproveitar coisas que aconteceram durante o evento e que merecem um segundo olhar, um comentário que foge apenas dos resultados, marcas e conquistas dos atletas.
A primeira história que eu quero contar é a respeito da vida de uma barata. Sim, este inseto tantas vezes detestado, que causa nojo, ojeriza, desgosto. Pois bem, um destes apareceu durante uma partida. E não era qualquer partida, era uma das semifinais, envolvendo justamente Dominic Thiem e o seu desafiante, o alemão Alexander Zverev. Os dois são expoentes da nova geração do tênis, ainda em busca de seu primeiro título de grand slam. O jogo, portanto, valia muito para as carreiras e ambições dos dois. Um jogo assim, naturalmente, fica cercado de tensão.
E, lá pelas tantas, uma barata se apresenta próxima a Thiem… e qual foi a reação do jogador, ansioso por jogar o próximo ponto, por decidir se iria ou não para a final do torneio? Pisar no bicho? Acabar logo com aquilo e seguir adiante? Ignorar, correndo o risco de pisar nela não intencionalmente mas acidentalmente em seguida? Não. O jogador pacientemente pegou sua raquete e tentou empurrar o inseto para longe, poupando sua vida. Digo mais, respeitando a sua vida. Logo em seguida, um dos jovens pegadores que trabalham no evento apanhando e devolvendo as bolinhas aos jogadores se aproxima. Muito mais jovem, afoito, também sob pressão e a reação… é a mesma, salvo que sem uma raquete usa as próprias mãos para conduzir a barata para um local seguro. Admirável. Admirável o respeito, diante das circunstância, que de forma espontânea demonstraram com relação a mais uma vida. E é simbólico que isso tenha ocorrido justamente na Austrália, país que foi acometido por uma tragédia natural e que teve o seu equilíbrio ambiental duramente afetado pelas queimadas que assolaram a região.
Aproveitando que estou falando sobre isso, vários jogadores combinaram de doar dinheiro para os trabalhos relacionados a restauração das áreas queimadas e ao apoio às famílias humanas e a vida silvestre afetadas pela tragédia. Zverev foi além, ele prometeu doar 100% do prêmio caso ganhasse o torneio. Quando venceu a partida que o levou à semifinal – e portanto se aproximou da meta – foi novamente perguntado se a doação ainda estava de pé. A resposta foi categórica: alguns milhões de dólares (australianos) fazem a diferença para mim, como fazem para qualquer pessoa. Mas eu não vejo nenhum destino que eu possa dar a este dinheiro mais relevante do que colaborar com o que está acontecendo aqui, neste país, agora. Sabedor de que as gordas premiações continuarão vindo e de que é um privilegiado, é notável a maturidade na postura do rapaz. Há críticas passíveis de serem feitas? Claro! Ele poderia doar qualquer prêmio recebido – como o da semifinal, que foi onde parou. Será que essa doação não reflete positivamente em sua imagem e é isso que ele estava buscando? Pois é, sempre é possível enxergar poréns e maldades e segundas e terceiras intenções. O fato, porém, a meu ver, é que podemos também pensar que foi sincero, que foi generoso, que foi uma bela atitude.
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