A reunião de bandas mortas
Ouvindo e vendo pela TV ao Queen na nova edição do Rock in Rio eu decidi trazer algumas opiniões para o 171 de hoje. É evidente que ver a banda retornar ao palco para comemorar os 30 anos do evento e da sua mítica apresentação de 1985, então no auge e com Freddie Mercury, é algo atraente. E atraiu muitos fãs que queriam (re)ver Brian May (guitarrista) e Roger Taylor (baterista) da banda original. Provavelmente também atraiu gente que queria apenas participar desse momento histórico apesar de pouco laço afetivo com a banda. O fato é que não haveria Freddie Mercury – a não ser em algumas aparições no telão, não por acaso nos momentos em que o público mais se levantou durante a apresentação.
Os vocais dessa nova fase da banda estão a cargo de Adam Lambert. É difícil julgá-lo já que o papel ao qual se presta é impossível: substituir um mito. Ele até se esforça e se dá melhor nos vocais mais agudos e na performance bastante teatral, mas obviamente não chega aos pés do original. Mas peca, ainda mais, por comportar-se como a estrela do show, buscando sempre chamar para si as atenções, mais espalhafatoso do que seria de fato necessário e não apresentando um tom de reverencia e de homenagem que talvez caíssem melhor. Só como comparação, os The Doors, quando se reuniram, convidaram um monstro do rock (com muito mais nome e currículo do que Adam Lambert) para substituir Jim Morrison nos vocais, o sortudo foi o incrível vocalista do Pearl Jam, Eddie Vedder – e o tom nas apresentações foi de reverência.
É muito difícil lidar com a morte – exceto para o próprio morto. Mercury estaria revirando-se no caixão, como costumam dizer? Ou apenas para nós, que restamos e nos importamos com a memória dele, é que a performance de Lambert incomoda? E por mais que para quem idolatra a banda, os trejeitos forçados e o exibicionismo do bom vocalista possam soar ofensivos, para muitos outros ele estará com toda a razão em buscar ocupar e criar o seu próprio espaço, ao invés de apenas tentar atuar como um cover. Aliás, essa foi uma opinião que li sobre o show e que não deixa de ter sua razão, ver a banda já sem a mesma energia de anos atrás e sem o seu inigualável vocalista original soa como um cover mediano do que já foi o Queen.
Se por um lado é bonito ver a realização de Brian e Roger ao, novamente, se apresentarem para um público tão grande e em um lugar tão especial para a banda como no caso do Rock In Rio, sempre soa como um pouco de oportunismo quando não há ali o que parecia ser a alma daquela banda, daquele processo criativo, daqueles artistas. Já ouve o caso citado dos Doors e é assim com vários outros. Aqui mesmo, no Brasil, esse ano teremos uma turnê da Legião Urbana, obviamente sem Renato Russo nos vocais… e não será a primeira vez, sendo que na primeira (em 2012), o ator Wagner Moura, fã da banda, assumiu a voz nas apresentações. Uma honra para ele, mas uma justa homenagem a Renato e seu legado? Eu, como fã que nunca conseguiu ir a um show com Renato ainda vivo, hesito entre ver meus ídolos de forma “capenga” e ter a chance de lavar a alma cantando junto com a banda as músicas que sei de cor junto com tantos outros fãs contagiados pela mesma emoção. Quer outro exemplo nacional? Zélia Duncan assumindo os vocais dos mutantes, recentemente – e olha que Rita Lee ainda está por aí.
Esse ano vou ter a oportunidade, por outro lado, de assistir a dois shows dos Los Hermanos. A banda já está morta (ou em coma, não sei) desde 2007, há quase dez anos. De lá para cá, tem tido alguns espasmos, algumas apresentações extras. Mas esse é um cenário totalmente diferente, em que toda a formação original está de volta. É um deleite para os fãs e não deve deixar de ser um prazer também para eles, sem os compromissos e a rotina que a banda exigia, podendo só curtir e montar um set list da forma que desejarem, cientes de que os fãs já tiveram anos e anos para apreciar qualquer uma que decidam tocar, surpresas serão bem-vindas. Os hiatos entre as apresentações são tão grandes que é provável que toquem até Ana Julia.
Outro fenômeno interessante relacionado às bandas mortas são os ex-integrantes que seguem carreira solo. Assistir Camelo ou Amarante em carreira solo ou com as bandas que integraram após o fim dos Hermanos, não tem nada a ver e, logo, não supre a vontade de assistir a uma apresentação da banda que os consagraram. Mas ver Paul McCartney é equivalente a ver os Beatles? Ver Roger Waters ou então David Gilmour – que por acaso vem ao Brasil neste fim de ano – é igual a ver um concerto do Pink Floyd?
Parece obvio que não. Cada experiência é única e no máximo o que temos nestas experiências é uma fração do que poderia ter sido, mas também um aditivo, um tempero único, uma face exclusiva e diferenciada em um grande prisma. Não queiram ressuscitar bandas mortas, deixem-nas descansar em paz… mas se aqueles que ainda vivem sentirem mesmo necessidade de perpetuar sua arte, que seja com sinceridade, reverência e autenticidade, para entregar ao público uma experiência mais próxima de pura vida do que, tão somente, de uma homenagem póstuma – e as vezes ainda com gosto de funeral.
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