A cidade e eu

A cidade e eu

 

Vou me aventurar, neste texto, a fazer uma reflexão que a primeira vista pode parecer estapafúrdia, a semelhança entre relacionamentos humanos e cidades.

Pense em uma cidade. Pode ser a cidade onde nasceu. Pode ser uma cidade que apenas visitou. Pode até ser aquela cidade maravilhosa que só está em seus planos ir visitar. Por mais tempo que você tenha vivido em uma cidade, você nunca a conhece por completo. Mesmo aqueles que ganham a vida percorrendo (e memorizando) os mais diferentes locais, como os taxistas, por exemplo, sempre negam conhecer as suas cidades por inteiro. Sempre há uma rua nova ou desconhecida. Sempre há um recanto que vale a pena ser desbravado. Sempre há um retoque que dá um ar diferente mesmo à via mais acessada.

As cidades são estruturas complexas, vivas, quase orgânicas. Elas nascem, elas crescem e elas morrem. Seus órgãos são seus bairros. Suas ruas e avenidas são as veias que permitem que a vida circule. Cada um de nós nutrimos esse corpo e somos nutridos por ele. Os bairros são as partes que formam o todo; eles ajudam a organizar e a dar identidade. Toda cidade tem um centro, tem bairros residenciais, pode ter bairros industriais e até favelas.

Imagine que há dois anos atrás um cartógrafo foi convidado a fazer um mapa de sua cidade. Ele visitou, sobrevoou, estudou, marcou pontos e referências e construiu um mapa extremamente preciso e completo. Pergunto: será que hoje, passados dois anos, esse mapa continua sendo útil? Isso dependerá, obviamente, de quão preciso e completo ele permanece. Assim, certamente, ele ainda terá muita utilidade mas pode, também, nos deixar na mão e nos meter em encrencas em várias outras situações, pois a cidade mudou. Pois ela sempre muda. Mas mudou onde? Qual foi a rua que mudou de mão? Onde está o acesso para aquela nova avenida? O que houve com aquele semáforo? Porque removeram aquela entrada?

Agora pense em uma pessoa. Pode ser a pessoa de onde nasceu ou quem vive pelo resto de sua vida. Pode ser uma que apenas conheceu. Pode até ser aquela pessoa maravilhosa que só está em seus planos abordar. Por mais tempo que você tenha convivido com alguém, você nunca conhece ninguém por completo – talvez nem mesmo a si mesmo. E somos muito mais complexos do que cidades – e mudamos ainda mais rápido.

Mas, curiosamente, tendemos a ser cartografistas das pessoas. Fazemos mapas com os quais tentamos navegar as pessoas com quem nos relacionamos – e esses mapas são ainda mais presentes e detalhados se nos restringirmos às pessoas mais próximas. Esses mapas de pessoas servem para nos deixar mais confortáveis, para criar atalhos para ora tranquilizar, ora importunar, ora provocar. Tanto quanto os mapas feitos para as cidades, são úteis, não há dúvida. Mas, da mesma forma, carregam em si o mesmo problema. E com o agravante que não há ainda GPS para as pessoas, não dá para colocarmos o lugar que queremos chegar – ou o sentimento que queremos despertar – e apertar um botão que nos levará até lá. Temos que dirigir com muito cuidado, atentos a cada cruzamento, de olho na velocidade.

Por isso, faço um convite a mim mesmo e aos leitores: vamos procurar novas ruas e novos bairros inteiros nas pessoas de quem gostamos? Vamos procurar respeitar mais os semáforos e as vias impedidas para evitarmos causar constrangimentos ou desconfortos? Vamos procurar manter sempre atualizadas as informações em nossos mapas, ao invés de insistir em andar na contramão ou até mesmo em cair da ponte que não está mais lá?

Afinal eu e você, assim como as nossas cidades, mudamos o tempo todo.

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