A Menina que Roubava Livros
Logo nos instantes iniciais de A Menina que Roubava Livros (The Book Thief, 2013, de Brian Percival) somos apresentados ao que é, talvez, o seu melhor elemento: uma narração em off feita por ninguém menos do que a Morte – e que é responsável pelos elementos mais literários, através de suas ponderações sobre a finitude da vida, o papel prestado pela morte a todos os ditadores do mundo – e Hitler sendo apenas mais um destes carrascos de multidões, culminando nas belas e singelas descrições feitas pelo ser sobrenatural à medida que ele visita aqueles que respirarão pela última vez.
E são nestes instantes iniciais que tanto a Morte quanto nós passamos a conhecer Liesel (interpretada de maneira intensa e consistente pela jovem Sophie Nélisse), quando seu irmão é ceifado antes de o casal ser entregue para adoção para o amável Hans (o sempre eficiente Geoffrey Rush) e sua dura esposa Rosa (Emily Watson), em uma Alemanha pré-guerra mas já presenciando a ascensão dos nacionais-socialistas. E é notável percebermos o ciclo perpetrado pelo filme, acompanhando talvez o primeiro encontro de Liesel com a Morte até o último, isto é, o momento de sua própria morte, com várias outras visitas neste trajeto que chamamos vida.
Pois é, mais um filme ambientado na segunda guerra e, neste sentido, há muito pouco de original no que acompanhamos, agravando-se ainda o fato de os personagens serem extremamente maniqueístas. Temos alemães de bom coração que tentam lutar contra o sistema de opressão instalado, o garoto de bom coração que tentará ser corrompido pelo sistema, o judeu perseguido e que pode colocar a vida de todos que o ajuda-lo em risco, o jovem (e pouco inteligente) alemão cooptado pelo sistema, o político disposto a seguir as regras do jogo e assim por diante. Há adultos bons ou maus. Há jovens bons ou maus. Mas não há personagem algum que soe mais real, apresentando uma maior complexidade, uma ambiguidade, um toque maior de realidade ou alguma dificuldade diante dos dilemas morais apresentados pelo enredo.
Apesar disso, o filme não deixa de ser tocante, com uma trama difícil apoiada em uma música grandiloquente e envolvente, a história concentra-se na interação de Liesel com seu novo lar: o padrasto amoroso e que a ensina a ler abrindo para ela um novo mundo, a madrasta rigorosa e exigente mas de bom coração que acaba sendo ensinada a ser mais doce através da convivência com Liesel, o amigo Rudy que nutre uma paixão intensa por ela e ainda Max, o jovem judeu abrigado e escondido na casa de Liesel por conta de uma antiga dívida de honra familiar. Mas A Menina que Roubava Livros só tem esse nome devido a interação de Liesel com a família do prefeito da cidade onde moram e, em especial, sua esposa, Frau Heinrich, com quem vem a estabelecer um profundo vínculo a partir do qual o título do filme (e do livro) surgem.
Do ponto de vista técnico, o filme conta com uma bela fotografia principalmente ao retratar o mundo claro e cheio de luz dos ambientes externos e contrastá-los com os abrigos nos quais Max se refugia, nos quais a luz podia ser encontrada apenas iluminando as paredes nas quais o alfabeto e as palavras aprendidas por Liesel estavam grafados, demonstrando que esse era o caminho para comungarem das suas experiências e unir o mundo de um ao do outro. A música de John Williams rendeu a ele mais uma indicação ao Oscar, ele que já é o maior recordista da categoria.
Publicado originalmente aqui.
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