A simplicidade está dando sopa por aí…

A simplicidade está dando sopa por aí…

Peço ao raro leitor que veja com atenção a foto que ilustra a coluna de hoje, tirada em um congresso científico na área de genômica ambiental (!). Trata-se de um prato com uma extensão de plástico, na qual a taça de vinho pode ser apoiada, fazendo com que a mesma mão que segura o prato segure, natural e indiretamente, também a taça, deixando assim a outra mão livre para servir-se ora da taça, ora dos quitutes à disposição no aperitivo-janta servido após o dia de apresentação de trabalhos. Uma peça de plástico chamou mais minha atenção, em muitos casos, do que os diversos avanços científicos – específicos demais para minha devida apreciação – das palestras e pôsteres. 

Acredito que existam dois fatores principais para essa minha apreciação. O primeiro deles, o mais evidente, é o simples fato de o tal suporte de taça ser algo muito simples! Adoro coisas simples, ainda mais quando elas além de simples também resolvem um problema do nosso cotidiano. Melhor ainda se for um problema que você não sabia que podia ser resolvido de maneira tão simples, pela simples razão de que em geral ele não o é. A propósito, eu escrevi simples mil vezes neste parágrafo de propósito, pelo simples motivo de que era mais simples escrever dessa forma – e simples é a palavra da vez. O segundo ponto que me fascinou na tal peça é também derivada de sua simplicidade: ela é auto-explicativa. Eu me deparei com ela pela primeira vez lá, no meu prato, e foi absolutamente natural apoiar ali a taça. Não tive que ler manual, não tive que perguntar ao vizinho. Foi como se a própria taça procurasse ali deitar-se e finalmente repousar.

Parando para pensar noto o quanto a vida nos apresenta, em vários momentos, porta-taças apoiados em nossos pratos e a gente simplesmente opta por não usá-los, acostumados que estamos a ficarmos com as duas mãos ocupadas. Por vezes eles passam despercebidos, em outras preferimos não ver. Pior ainda, por vezes simplesmente arrancamos eles dos pratos, onde estavam instalados, e jogamos no lixo. Alguns o quebram antes de descartar. Outros o fazem escondendo o rosto de vergonha. Optamos, quase que inexplicavelmente, por evitar as simplicidades que a vida nos oferece. Afinal, há sempre caminhos mais tortos que podemos seguir. Há sempre uma palavra atravessada que podemos falar. Há sempre um rancor que podemos guardar para, no futuro, deixarmos o amargor nos tomar e a maldade aparecer. O que é mais curioso, acho eu, é que sempre conseguimos justificar nossas ações, para os outros e por vezes, incrivelmente, até para nós mesmos. Relembramos em nossas mentes nós mesmos com o suporte para taças já quebrado, em nossas mãos, e sabemos explicar exatamente o porquê aquilo foi necessário, o porquê de não haver outra solução, outro caminho. O mundo é assim mesmo, dizemos. Se eu não fizesse isso iriam rir de mim, pensamos. Não adianta tentarmos sermos bons pois o mundo não é bom, concluímos. E a simplicidade de, diante de uma situação nova, buscarmos onde apoiar a taça e termos a mão livre para agirmos e nos movimentarmos aparece nublada – ainda que o porta-taça esteja lá, no canto do prato.

Acredito que existam dois fatores principais para sermos assim, segundo minha apreciação. O primeiro deles é que as pessoas em geral – eu inclusive, mas ao menos cada vez mais atento – não acreditamos que a vida pode ser mais simples do que é. Ah, a propósito eu escrevi “acreditamos” concordando com “as pessoas” e isso está correto, pois me incluí nas pessoas, ok? Achamos os pêlos em casca de ovo sempre que nos mostram uma rapadura, ainda que ela seja muito mais doce do que dura. Quero uma vida com muito mais limonada do que limões. O segundo fator é que as pessoas em geral sabem da possibilidade da limonada. Elas já tomaram limonada. Mas preferem acreditar que só os outros sabem espremer limões e fazer limonada. Ou tem medo (ou vergonha…) de pedir açucar ao vizinho. E assim vamos complicando. Vivendo e desaprendendo. 

Muito mais do que peças de plástico em congressos científicos, precisamos mesmo é de avanços sociais em nossa sociedade de plástico.

Publicado originalmente aqui.

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