A Vida Secreta de Walter Mitty

A Vida Secreta de Walter Mitty

Ben Stiller é um ator que alternou sua carreira entre comédias escrachadas, principalmente as feitas com o parceiro Will Ferrell e a sua turma, e comédias românticas. Chegou até a mesclar os dois subgêneros, no clássico Quem Vai Ficar com Mary? dos irmãos Farrelly. E, acredito eu, é justamente por esse passado cômico que a história de Walter Mitty, seu personagem no seu mais recente filme, perde um pouco de sua força.

A Vida Secreta de Walter Mitty (The Secret Life of Walter Mitty, de Ben Stiller, 2013) conta a história da revista Life no momento em que ela inicia um processo de transição de revista impressa para uma revista online, sob o ponto de vista de um de seus funcionários, o arquivista e responsável pela impressão de imagens Walter Mitty. Com o seu emprego de mais de uma década obviamente em risco, Mitty vê-se em apuros sendo avaliado e até perseguido pelo executivo encarregado da etapa de transição da empresa e tendo “perdido” a foto destinada a ser a capa da última edição impressa da revista. O filme então acompanha o seu personagem principal em busca da foto perdida, em busca de declarar-se para seu interesse romântico, uma colega de trabalho, em busca de resolver dilemas familiares como a melhor casa de repouso – que caiba no seu orçamento e de sua irmã – para sua idosa mãe, enfim, em busca de uma autoafirmação pessoal e profissional. Não parece, por esse resumo, uma comédia certo?

Pois então, é exatamente na busca do tom correto de sua narrativa que Stiller se perde, a meu ver. O extremamente inseguro e tímido Mitty entrega-se a devaneios que ganham vida nas telas. Assim, quando em determinado momento um telefonista de site de relacionamento indaga a falta de aventura da vida de Mitty, imediatamente saltamos para um delírio visual em que ele é uma espécie de Super-Homem mas que deve viver sob um disfarce para não ter sua verdadeira identidade descoberta. Ora, é inegável que com o talento cômico do ator e diretor, várias dessas incursões cumpram muito bem o seu papel e façam rir, além de deixar a narrativa muito mais leve e agradável. Em particular, gostei bastante do “amante alpinista” e do próprio Super-Homem. Porém, várias delas ganham mais tempo de tela do que deviam e ajudam a nos tirar da trama principal, que tinha força para fazer do filme algo maior do que ele é. A trama de mistério pelo conteúdo da tal foto de capa é outra bobagem levada a sério demais pelo filme, visto que o seu desenrolar é bastante óbvio. Nada disso desmerece o filme, ao contrário, trata-se de um agradável passatempo que também provoca reflexões, contando com uma fotografia e cenários naturais exuberantes – que por si só já valem o ingresso – e um elenco de apoio mais do que eficiente, o filme merece ser visto.

Para quem já viu – spoilers adiante – mais alguns breves comentários.

A metáfora de que somos nós que fazemos nossas vidas interessantes é rica. Ainda mais se pensarmos que às vezes só corremos riscos para torna-la especial quando pressionados (transição na empresa) ou quando trata-se dos nossos últimos momentos (a última edição). A revista chama-se “vida” e é através de procurar uma ilustração para sua última edição que o personagem sai de seu marasmo, corre riscos, viaja, aventura-se, descobre pessoas e paisagens, enfim, vive. E é através dessa experiência real – e não de artifícios virtuais como um perfil em um site – que ele finalmente consegue, inclusive, relacionar-se com a mulher de seus sonhos.

O fotógrafo vida-louca vivido por Sean Penn é outro personagem que merece destaque. Quase como um “elixir de vida”, um ídolo inatingível que vive experiências com as quais podemos apenas sonhar. Até decidirmos que vamos diminuir nossa distância para ele e, em dado momento, podemos mesmo estar lado a lado do ídolo, no topo do Everest, jogando futebol com nativos com uma bola improvisada. Outra bela sacada do personagem, quando ele finalmente é alcançado, é a sua lição de que não precisamos registrar/publicar tudo o que vemos/vivemos. Primeiro viva a experiência intensamente, esse registro pessoal é mais importante do que o registro que serve para divulgação, para os outros. Em nossa vida moderna, quantas pessoas só se lembram que viram um leopardo-da-neve quando veem uma foto que eles próprios baterem do animal?

Publicado originalmente aqui.

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