Boyhood: Da Infância à Juventude

Boyhood: Da Infância à Juventude

Boyhood, da infância à juventude (2014, Richard Linklater) não é um filme qualquer. E isso se deve a um efeito quase mágico, pensado e aplicado por seu diretor Richard Linklater no período de quase 13 anos, que o transformou de um sensível drama familiar sobre amadurecimento e o lugar que ocupamos no mundo para uma experiência única. O efeito é o de acompanhar a história dos seus personagens em tempo real. É isso mesmo, ao narrar o crescimento de Mason, um garoto de 6 anos, até a sua entrada na universidade, aos 18, o diretor filmou os mesmos atores, representando os mesmos personagens, por todo esse período de mais de uma década. E o resultado vale mais do que a própria história, pois transpira realidade, entrega uma autenticidade insuspeita, o que é reforçado pelo fato de os personagens serem extremamente críveis.

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É fascinante ver o jovem Ellar Coltrane, que interpreta o personagem principal, passar de um menino, para um adolescente, para um jovem adulto, à sua frente. Confesso que quando fui ao IMDB olhar a ficha do filme para escrever essa resenha, estranhei em um primeiro momento ver um único nome de ator associado ao personagem Mason… eu esperava ver uma pequena lista com as indicações “Mason aos 6 anos”, “Mason aos 10 anos”, e assim por diante. E isso é uma atração a mais para Boyhood, sua própria ambição narrativa, arriscada mas muito bem sucedida. Como curiosidade, a irmã de Mason, Samantha, é interpretada pela própria filha do diretor, Lorelei Linklater. E se esses rostos menos conhecidos cumprem muito bem seus papeis e encantam ao mostrar todas as grandes mudanças que ocorrem nas vidas das pessoas neste turbulento período que vai da infância à juventude, é também muito gratificante observar os rostos mais conhecidos, como os de Patricia Arquette e Ethan Hawke, que interpretam os pais de Mason e Samantha, envelhecendo e se modificando nos 13 anos de filmagens.

OK, mas Boyhood é só isso? Um filme que durou 13 anos para ser concluído? Não, o filme consegue construir um belo roteiro que, ao nadar contra a corrente hollywoodiana, aproveita para brincar com o fato de ser, no fim das contas, um filme sobre gente real, que cresce, envelhece, amadurece… e não um roteiro em que uma trama precisa ser resolvida, ou um grande evento (uma morte, uma decisão difícil) vêm para tornarem-se a razão de ser da narrativa. Aqui isso não ocorre, são os personagens que valem o filme. Seus dramas, suas vontades, suas dúvidas. Diálogos e mais diálogos seguem-se não para apresentar elementos de roteiro que posteriormente se amarrarão, mas apenas para que a gente possa conhecer, mais de perto, aquelas pessoas. Quem são e quem se tornarão. E para que, desta forma, a gente possa entender os seus caminhos.

Olivia (Arquette) é mãe solteira de dois filhos, Mason Jr. e Samantha, e está com dificuldades de conseguir mantê-los. Decide voltar para a cidade natal, perto de sua mãe, para também voltar a estudar e poder oferecer uma vida melhor aos filhos. O pai deles, Mason (Hawke), volta a se fazer presente para poder acompanhar mais de perto o crescimento dos filhos, durante a guarda de fins de semanas. Olivia casa-se novamente e as coisas vão se ajustando, à medida que Samantha e Mason Jr. crescem e passam a ver florescer sua personalidade, que vem junto com o despertar de interesses artísticos, românticos e profissionais, culminando na entrada dela, e depois dele, na universidade.

Esse é o resumo do filme. E da vida de tantas pessoas – ou até de nós mesmos. Mas o filme vale muito, ao servir de espelho para que pensemos nossa própria vida e escolhas. É tocante, por exemplo, ouvir o pai dizer ao filho, lá pelas tantas, que ele tinha se tornado exatamente o que a mãe dele sempre quis de um homem… mas com alguns bons anos de atraso. E é isso que fascina tanto, a nossa relação com o tempo, as nossas necessidades e vontades, nossa paciência para esperar por vê-las se tornar realidade, nossos arrependimentos… tudo isso Boyhood apresenta, sem que tenha que ficar martelando através de uma trama que traga uma “mensagem”. Não há mensagem. A vida é isso. O tempo que vai passando, as escolhas que vamos fazendo e a sucessão de eventos que disso decorre.

É isso que o filme parece querer nos dizer o tempo todo. O valor do momento, da vida, da simplicidade e da honestidade de sentimentos. É um garoto examinando seu pai com uma lupa, como na figura acima, pois está interessado em entender o que significa viver, envelhecer, ser um pai ao invés de um filho.

SPOILER A VISTA

Assim, quando a gente vê os jovens reunidos em uma casa ainda em reforma, falando sobre prostitutas, quebrando tijolos e madeira, e brincando com objetos perigosos, nos preparamos para um acidente… que não acontece. Quando eu vi, nesta cena, o menino parado com aquela serra fincada, logo atrás dele, na porta de madeira, imaginei um tropeção e ele enfiando a cabeça ali. Uma tragédia. Mas muito cinematográfica para esse filme. Depois a situação é toda preparada para que Samantha admita que está grávida, em um diálogo com seu pai… mas que nada, era só ressaca. Depois vemos toda a preparação para um acidente de trânsito, com Mason dirigindo e sua namorada tirando sua atenção, mostrando coisas para ele enquanto dirige. Mas todos chegam ao destino sãos e salvos. E isso enriquece ao filme ao subverter nossas expectativas, criadas simplesmente por estarmos no cinema, vendo um filme. Não que gravidezes indesejadas, acidentes de trânsito ou mortes acidentais não ocorram na vida real. Mas não é tão frequente e telegrafado quanto nos filmes. E usar um drama familiar realista para brincar com nossas sensações é outro trunfo, inesperado, de Boyhood.

Outro ponto que me chamou atenção foi justamente o que mencionei acima. De fato, na minha opinião baseado no que é mostrado no filme, o homem mais decente com quem Olivia se relacionou foi mesmo o pai de seus filhos. O professor Bill, seu segundo marido, tinha uma doença que escondia seu lado bom, o alcoolismo. E é triste não saber qual o destino de seus dois filhos, quando Olivia finalmente volta à realidade e decide abandonar o marido, resgatando seus filhos. É curioso que Bill foi o atalho que ela encontrou justamente para oferecer uma vida (material) melhor a seus filhos. E isso acontece. Mas a que preço? Seu segundo marido, o ex-combatente, acaba também guardando resquícios da guerra que o fazem querer mais comando do que carinho e família. E a bebida, novamente, também não ajuda. E Mason pai acaba casando novamente, mais tardiamente, e vivendo uma história mais madura, com um novo filho, uma nova e mais estruturada família em um momento em que ele conseguia lidar melhor com suas próprias inseguranças. Como ele mesmo diz, ele acaba se tornando exatamente quem Olivia queria – e não encontrou. E quando ela chora ao ver o filho, depois da filha, indo embora de casa, é triste ver que de fato ela, ainda jovem, viveu a sua vida em função apenas dos filhos e agora vê-se um tanto perdida e sem rumo. E não é essa a história de tantas mães? E a resposta de Mason, dizendo que ainda resta pelo menos 40 anos pela frente é arrebatadora e divertida.

Vamos viver. Vamos colecionar momentos e decisões. E vamos planejar para que nunca falte vida em nossas vidas, mesmo quando voltarmos para o ponto de início: sozinhos e com uma vida inteira pela frente.

Cine 42 - 4 de 5 Pipocas

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