Brasil tão brasileiro

Brasil tão brasileiro

No domingo, 17 de abril, a câmara dos deputados votou pela instalação do processo de impeachment da presidenta Dilma Roussef. O processo agora vai para o senado – já foi recebido por Renan Calheiros das mãos de Eduardo Cunha, presidentes do senado e da câmara, respectivamente. Na Câmara, eram necessários 2/3 dos votos para a aprovação e o placar final apontou 367 a favor e apenas 137 foram contra. No senado, maioria simples basta para que a presidenta seja afastada por 180 dias, isto é, o voto de 42 senadores é o suficiente para que o julgamento do impeachment seja realizado e para que Michel Temer assuma interinamente a presidência neste período.

Como eu já havia me posicionado anteriormente, neste outro farelo político recente, eu acho que houve um grande oportunismo por parte da oposição – e até da posição (PMDB) – para assumirem o poder sem passar por eleições diretas. Isso cheira a golpe ou oportunismo. Porém, o processo todo está sendo feito usando o impeachment e sendo votado democraticamente. E é triste constatar como a nossa democracia é frágil e as instituições comprometidas. Além disso, também é triste constatar o nível ridículo dos nossos políticos e também a pobre “politização” dos brasileiros – os discursos, as opiniões e os debates são um tanto rasos.

Ocorrem hoje no Brasil duas coisas em paralelo. Uma delas é a Operação Lava-Jato, um longo processo investigativo conduzido pela Polícia Federal, e que já implicou em corrupção ativa e passiva vários empresários, funcionários públicos, publicitários, políticos (de quase todos os partidos) e mais um mundaréu de gente Brasil afora.  A outra é o processo de impeachment da presidenta, votado no último domingo e acolhido em dezembro de 2015, por Cunha, um dos investigados pela Lava-Jato.

Cunha tem muito mais interseção nos dois assuntos do que tem Dilma, tendo em vista que ela não apareceu ainda como uma das investigadas pela Polícia Federal. Porém, para a maioria dos brasileiros, os escândalos da Lava-Jato é que são o motivo do impeachment. O que, claramente, não é o caso. O motivo são as pedaladas fiscais ocorridas em 2014 e repetidas em 2015, usando “empréstimos” de bancos públicos para cobrir gastos do Governo, o que foi “devolvido” no exercício seguinte, isto é, não houve um desvio, Dilma não embolsou este dinheiro. Esta prática também é feita por outros governantes, em outras esferas. Mas o procedimento contábil em si é controverso e há quem o considere crime de responsabilidade e há quem o considere um procedimento normal. Esse deveria ter sido o debate do último domingo, já que era principalmente isso que estava sendo julgado, porém este tema foi apenas mencionado e, estou certo, pouco debatido entre os votantes para decidirem seu voto. O que estava em jogo ali era muito mais a transição do poder do que a avaliação técnica se Dilma podia ou não pedalar.

Assim, quando os deputados – vários deles investigados por corrupção e presididos por um Cunha inegavelmente lambuzado na lama – votam apelando por Deus, pela família e pelo combate a corrupção, é difícil não se nausear. E ver as pessoas comemorando, soltando fogos, gritando extasiadas, mostra um pouco de que acreditamos, no mínimo, de que os fins justificam os meios. Eu também acho Dilma uma governante ruim, acho que trocou os pés pelas mãos ao tentar proteger Lula com a nomeação como ministro e com a visita relâmpago que promoveu quando do seu depoimento coercitivo, mas acredito na democracia e preferia que ela fosse afastada não por ser ruim, mas por ter cometido crime – o que ainda me parece controverso quanto às pedaladas.

Porém, com uma votação de 367 contra, é legítimo se questionar se faz sentido lutar contra o impeachment ou se, como Collor, uma renúncia não seria melhor? Digamos que o processo seja barrado no senado, como Dilma conseguirá trabalhar tendo tal rejeição popular e tal desamparo de base governista? Com a saída do PMDB da base aliada e mais de 2/3 da câmara contra si, a governabilidade que já era um problema, virou um tormento difícil de ser contornado. Li hoje – não sei se é real – que o PT estuda apresentar um projeto de redução do mandato seguido de eleições ao fim do ano. Creio que seria o melhor a ser tentado, até porque evitaria vermos Temer – outro ator ridículo nesta peça detestável – assumindo o poder.

Por falar em Temer no Poder, recomendo o vídeo abaixo do Gregório Duvivier falando de maneira muito divertida sobre esta figura, esse poeta. Mas se pararmos para pensar no modus operandi do PMDB, a sua raiz governista salta aos olhos. Eram todos ministros e parte da base até verem a oportunidade de assumir o poder de forma autônoma, aproveitando-se da catastrófica condução política e econômica de Dilma. Pedem renúncia para poderem votar contra o governo, do qual faziam parte até então… porque não saíram antes, se discordavam? Porque não saíram e denunciaram a corrupção, os problemas? Porque não defenderam, antes, outra forma de fazer as coisas? Porque só agora isso é conveniente, é a resposta.

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Temer é pior do que Dilma pois está sendo oportunista e aproveitando o clima criado contra Dilma e o PT para assumir o governo. Se houve pedaladas e elas são crime, ele faz parte do governo que pedalou e nunca se posicionou contrariamente a elas ou defendeu o impeachment antes de sentir que havia chances reais de assumir o poder.

Li uma interessante analogia entre a situação de Dilma e a de Cunha que me fez pensar. Diziam: Cunha foi eleito democraticamente, cassá-lo não vai acabar com a corrupção, o congresso que o cassará também é corrupto, e cassá-lo primeiro não implica em cassar também outras figuras com o Aécio ou Serra. Ainda assim, seria eu contra a cassação de Cunha? É claro que não, diria eu, apesar de reconhecer que esses são alguns dos argumentos usados por aqueles que são contra o impeachment de Dilma. A grande diferença aqui são os casos de corrupção e os escândalos – incluindo aí contas na Suiça e envolvimento no vazamento das offshores panamenhas – em que Cunha está envolvido e a ausência de escândalos deste tipo envolvendo Dilma.

O que me entristece é também ver que as pessoas, nos Facebooks e nas ruas, realmente acreditam que estão sendo ouvidas e que o impeachment está sendo feito pois nós, o povo, que estamos dando um basta na corrupção. Eu creio que estamos sendo úteis enquanto é conveniente. Estou convicto de que assim que Dilma for afastada, um grande abafa vai acontecer, vamos ser convencidos de que temos que experimentar o novo, dar tempo para que o novo Governo trabalhe e começar a ver um monte de mensagens positivas e de esperança sendo apresentadas pela mídia. Cunha vai ser esquecido. Aécio também. Não haverá cobertura na Globo e nos portais, para as manifestações que houverem contra eles, pedindo sua saída. Moro vai saciar sua sede. E o que hoje se ouve, de que basta com a corrupção e de que todos serão cassados, um a um, vai aos poucos ser deixado de lado. Ah, como espero estar errado quanto a isso. Tomara!

O fato é que Dilma teve o primeiro mandato para governar e se mostrou incompetente. Venceu as eleições seguintes com promessas que não cumpriu, com várias mentiras sobre a situação real do governo e com um adversário que nós, brasileiros, não merecemos. O segundo mandato nunca existiu. Estamos em uma nau à deriva e cheio de piratas em busca de tomar o mastro para si, mas nenhum deles quer nos levar para o paraíso.

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