Cinema de Viagem – Parte II: A Missão

Segunda parte dos filmes vistos durante a minha passagem de um mês pelo Brasil. Primeira parte aqui.
Confesso que fiquei satisfeito com a seleção. Consegui aproveitar o período como enfermeiro da Dri para, juntos, vermos bons filmes recentes que havíamos perdido. Vamos a breves comentários e notas, para deixar registrado.

Dogville (5/5)

Filmaço do diretor dinamarquês Lars Von Trier. Para mim já era uma revisita enquanto para a Dri foi a primeira vez. Um ponto que vou fazer um post à parte é sobre filmes com narração em off, como este. Neste caso, ela é essencial para a estrutura narrativa concebida. O filme é um estudo de personagens e da natureza humana e, assim, é importante entendermos motivações e contrapontos das atitudes, o que nem sempre pode ser explicitado sem um apoio mais literário, para investigar a essência e o íntimo dos personagens.
A direção de arte é minimalista, não há cenários mas apenas alguns poucos elementos e marcações no chão para representarem as casas dos personagens que habitam o pequeno vilarejo de Dogville, no qual Grace se refugia após fugir de alguns mafiosos. A cidade a acolhe mas, em troca, ela presta pequenos favores. Nicole Kidman, Stellan Skaargard, Paul Bettany e Ben Gazzara arrasam em suas interpretações, favorecidas pelo aspecto quase teatral do projeto. O final do filme é de uma crueza mas também de uma catarse que impressionam. Afinal, é possível esperar bondade e sinceridade do ser humano? Ou apenas se isso for conveniente ou se houver chance de punição?
Ah, outro ponto importante e que merece post a parte. A primeira vez que vi foi no cinema e agora vi em casa e é inegável o quanto a experiência de ver um filme é alterada e, de certa forma, estragada por não termos a conexão com o filme e a dedicação a ele que é proporcionada pela sala escura. Se o filme recebeu nota máxima acima é por conta de minha memória da primeira experiência. Se fosse depender dsesa segunda conferida, seria nota 3 ou 4. Filme obrigatório!

Dúvida (4/5) 

Outro filmaço, que concorreu ao Oscar de melhor filme no passado e que é ancorado no trio de intérpretes. Meryl Streep faz a freira que chefia a escola paroquial, Philip Seymour Hoffman é o padre e Amy Adams é a freira novata que começa a lecionar e suspeita do envolvimento do padre com um dos garotos da escola na superconservadora sociedade americana de 1950. O fato do garoto ser negro é um elemento a mais, enriquecendo o ótimo texto ao deixar as intenções de cada um dos envolvidos ainda mais envolta em dúvidas. E esse é o grande mérito do filme, o de expor os fatos ao espectador sem direcioná-lo, deixando-o decidir em que versão prefere acreditar e, assim, fazendo com que o filme diga muito mais a respeito de si próprio do que dos personagens. Recomendo!

Se Beber, não Case (4/5)

Após dois filmes com grande carga dramática nada melhor do que balancear com duas comédias. Essa primeira tem esse título nacional fanfarrão, que remete aos anúncios na TV para não dirigir se beber. Não consegue estragar o filme que surpreende e diverte muito. Trata-se de um daqueles filmes em que nem os próprios personagens sabem como foram parar na situação em que se encontram ao arrastarem um amigo, dias antes do casamento, para uma despedida de solteiro em Las Vegas. Mas o filme se passa em uma realidade alternativa que envolve casamentos com strippers, um bebê, um tigre, uma galinha, Mike Tyson, um gângster chinês afetado, enfim, nada muito corriqueiro. Mas a trama é bem amarrada e o filme consegue algo cada vez mais raro para as novas comédias americanas: diverte e faz rir.

(500) Dias com Ela (3/5)

Não sei se o problema foi a minha expectativa com o filme, que já era muito alta, ou se foi o filme mesmo mas não consegui gostar tanto assim de (500) Dias com ela. Já tenho uma certa implicância com a Zooey Deschanel (Fim dos Dias), acho ela extremamente apática e sem carisma, apesar de bonita. O filme tem uma trilha sonora adorável e um personagem principal que lembra o protagonista de Alta Fidelidade, uma espécie de filme-irmão desta fita de Marc Webb. A estória narra os 500 dias que Tom passa ao lado de Summer, nova funcionária do escritório em que trabalha. O melhor do filme é a estrutura narrativa que salta no tempo, mostrando os dias em ordem não-cronológica e nos permitindo ir conhecendo os personagens e montando o quebra-cabeça de sua relação ao mesmo tempo. É uma comédia romântica que com certeza não é água-com-açucar e com a qual o tal “homem moderno” com certeza se identificará. E o dissabor da resolução de Summer é uma boa lição, sempre vale a pena e é sempre bom viver o que deve ser vivido, ainda que tudo tenha um final. Pena que o final, meio forçado, deixe a desejar.

Guerra ao Terror (4/5)
Guerra ao Terror foi o grande vencedor do Oscar deste ano e rendeu a Kathryn Bigelow o primeiro oscar de direção a uma mulher. E é um filmaço. Interessante então que em pleno março, alguns dias após a entrega do Oscar, o filme pudesse ser alocado. E não é de hoje, já que foi lançado no meio do ano passado, provavelmente por que a distribuidora não botou muita fé em  mais um filme a explorar a Guerra do Iraque e o envolvimento americano. Mas o filme é muito mais que isso. Primeiro que de fato ele é muito tenso e seu estilo documental e o uso de atores – e não estrelas do cinema – nos ajuda a nos interessar pela trama que acompanha um grupo especial de desarmamento de bombas em seus últimos 30 dias de missões. É um estudo de personagem fantástico ao contrastar o estilo impulsivo do novo comandante da tropa – que já está viciado na adrenalina diária do trabalho e coleciona diversos troféus de suas bombas – e do seu primeiro-imediato, para quem a segurança da missão e dos envolvidos é sempre primordial. Show de atuações. E o filme ainda tem um final com um certo cinismo fatalista ao exemplificar como um homem pode ser moldado pela guerra para nunca mais conseguir viver uma vida normal. Escolher uma caixa de cereal pode ser muito mais difícil do que escolher qual o fio a ser cortado. Ainda assim, acho Avatar o filme do ano de 2009 e merecia mais o Oscar de melhor filme. Mas recomendo fortemente!

O Leitor (4/5)

Mais um ótimo filme com Ralph Fiennes, Kate Winslet e o jovem ator alemão David Kross, que interpreta o mesmo personagem de Fiennes, Michael Berg, na adolescência, quando ele conhece e se envolve com uma mulher mais velha, Hannah Schmitz, que o apresenta aos prazeres do sexo e em troca quer apenas que ele leia romances para ela. Mais tarde, já estudando Direito, Michael vem a descobrir que ela trabalhava para o nazismo e foi responsável por uma chacina de judeus. O filme tem momentos desnecessários e quase embaraçosos – como a visita que Berg fez a uma das vítimas ao final do filme ou aos campos de concentração, instantes antes – mas também tem muita força e exemplifica bem o quanto o caráter de uma pessoa pode ser definida pelas pessoas que cruzam nosso caminho e pela experiência que elas nos provocam, como o trágico Berg e a também trágica Schmitz e seu segredo. Recomendo!

Bom, ainda falta registrar alguns filmes vistos em março, durante a viagem… então, nada melhor do que encerrar com a 3a. parte de uma trilogia em outro post, que terá Wall-E, O Lutador, Te Amarei Para Sempre, A Troca e O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.

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