Cinema muda

Cinema muda

Um pensamento que cruzou minha mente nas últimas semanas e foi ganhando espaço, sendo aos poucos complementado aqui e ali até, finalmente, ter se transformado no tema do 171 de hoje são as mudanças pelas quais o cinema e a linguagem cinematográfica passam. O trocadilho que batiza o texto traz em si justamente uma das várias transformações pelas quais o cinema passou, quando o som veio apoiar as imagens e construir uma narrativa ainda mais fluída (mais rica?).

No início fez-se a luz, mas não as cores para o universo cinematográfico. E nem foi essa a primeira das limitações, no início os filmes eram restritos a registros de poucos minutos e, pouco a pouco, as técnicas de armazenamento e reprodução evoluíram e passamos a ter longas-metragens, filmes com mais de uma hora de duração. Cleopatra tem mais de 4 horas e …E o Vento Levou, Os Dez Mandamentos e Lawrence da Arábia quase isso, só para ficar em alguns grandes clássicos que já cores tinham. Entre a passagem de curta para longa-metragens e de filmes mudos para sonoros houve também o amadurecimento das técnicas de animação, com A Branca de Neve sendo o primeiro longa feito com essa técnica.

O fascinante no mundo moderno é que não apenas esse tipo de técnica de filmagem e exibição das cenas nos trouxe filmes em 3D ou telas gigantes como o Imax como também a própria animação passou a ocupar o espaço antes exclusivo do humano, com atores e mundos tão palpáveis quanto eu ou você passando a existir como bits e bytes renderizados por poderosos computadores e é raro hoje ver um filme em cartaz que não tenha nada de CGI (Imagens Geradas por Computador) em sua produção. Não sou especialista, mas acredito que o cinema seja a arte mais influenciada pela evolução de tecnologias. Hoje temos filmes inteiros produzidos em computador e até o elemento humano tem sido substituído ou complementado pelos computadores, com atuações “capturadas” por sensores ou geradas integralmente por máquinas. Oscar de melhor atuação digital à vista?

No entanto, o que me trouxe a essas linhas não é a intenção de traçar um panorama da evolução do cinema e de sua linguagem com o passar do tempo. O que eu realmente gostaria de discutir um pouco são as mudanças também ocorridas no público e em sua percepção. O que podemos dizer quanto a nosso papel neste processo?

Como o público, que consome cada vez mais filmes dublados, reagiria a um filme de 4 horas de duração? O que um público habituado aos cortes rápidos da escola Michael Bay diria ao assistir clássicos faroestes de John Ford? Será que diria que o filme “envelheceu mal” (ou fomos nós que nos rejuvenescemos mal?). Ou diria ainda que trata-se de um filme “muito lento”, em que “não acontece nada”? Nós também mudamos e o nosso modo de consumir cinema influencia a própria linguagem cinematográfica. Uma das primeiras expressões em inglês que aprendi, durante a minha infância assistindo Sessão da Tarde, foi “The End” que habitualmente marcava o fim dos filmes. É, aparentemente era necessário avisar, tal qual o ponto final de um livro, que aquela história chegara ao fim. Alguém se lembra o último filme que viu que continha o “clássico” <The End> ao final?

É inegável que assistir ao novo Noé, há 15 dias mais ou menos, no IMax foi uma experiência de imersão que eu nunca havia experimentado. E que ser transportado por James Cameron para Pandora foi uma experiência marcante e inesquecível. Mas curiosamente ter ido pela primeira vez a um cinema de drive-in e conferir, simbolicamente, Cinema Paradiso à moda antiga foi uma ode ao que o cinema tem de melhor: o poder da emoção de uma boa história, uma reverência à tradição, um olhar de esperança para que o novo venha, ocupe o seu lugar, nos leve além mas não esqueça de todo o caminho percorrido e de cada pequena pedra colocada para pavimenta-lo, cada uma delas tão importante quanto qualquer outra.

Publicado originalmente aqui.

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