Conceitos pré-estabelecidos
Se eu penso logo eu existo, é isso mesmo? Eu sei lá, eu acho que existir é bem mais fácil do que pensar, então se há pensamento, há também existência… mas há existência em outras coisas que também não pensam e neste sentido pensar e existir não tem tanta relação assim. Ou tem? Não sei direito, o fato de eu pensar remete ao fato de eu existir, até ai Descartes estava certo e faz sentido para mim. Mas a lógica está aí para demonstrar que não se trata de um “se e somente se”, afinal existir não é o suficiente para pensar. Pedras, tesouras e papeis existem, mas não pensam. Ora, pois.
Mas neste 171 eu estou focando em quem pensa. E não só pensa, como julga. E não só julga, como pré-julga, isto é, como quem tem opinião sobre coisas ou pessoas que desconhece. Em geral, é natural e aceitável criar-se uma generalização que evita que a pessoa entre em situações de perigo ou de problemas. Isso ajuda e é racional. Se estou sozinho a noite em uma rua escura e vem uma outra pessoa em minha direção, a tendência é se afastar ou correr, pois há um risco de ser assaltado. Quando se corre o risco em uma situação como esta, na maioria das vezes, a pessoa que vem efetivamente não oferece risco algum. Mas sempre ficamos com uma preocupação e se a situação voltar a ocorrer, vamos querer atravessar a rua, mudar de lado ou sair correndo de novo.
Este tipo de situação e de entendimento dos riscos, ou problemas, em geral serve para nos proteger. Mas, em uma convivência social, também serve para imputar rótulos negativos a pessoas apenas por pertencerem a determinadas classes ou grupos sociais. Generalizações são sempre perigososas, como essa que acabei de fazer, que tem o óbvio perigo de estar redondamente enganada.
Um preconceito é, por definição e literalmente falando, algo que precede o conceito. Portanto, eu posso entender que todo homem branco é racista e isso será um preconceito. Quando eu conhecer um novo homem branco, por conta do meu preconceito, eu vou assumir que ele é racista. Mas, ao conhecer o Adão, que é branco, e notar como ele trata homens de outras raças com respeito, como ele fala a respeito deles com admiração, eu noto que o Adão não é racista. O indivíduo pode não cair na generalização com a qual me identifico, mas aí já não cabe mais preconceito, pois eu conheci o Adão, ele deixou de ser “um homem branco” para ser “O Adão”, e este indivíduo eu conheço, sei de suas inclinações, preferências, opiniões. Nestes casos, já não caberia mais preconceito, já um conceito formado.
Mas, ao contrário, digamos que eu assuma que há, no Brasil, preconceito contra negros e pobres. O que eu estaria querendo dizer é que se eu sou um recrutador preconceituoso de uma empresa e entra um negro e pobre para ser entrevistado para uma nova vaga, eu estarei propenso a recusá-lo apenas por ser negro e pobre, sem julgar seu histórico, seu CV, sua formação. Não preciso conhecer a pessoa, o meu conceito já está formado porque está visível que trata-se de um negro… e pobre. Porém, e é isso que quero chamar atenção, isso não o impede de ser um candidato fraco, despreparado, aquém do que é necessário para o preenchimento da vaga. E se durante uma entrevista de emprego feita, digamos, pelo Adão, que não é racista, ele entender essas limitações do candidato, ele não estará sendo racista e o candidato, apesar de negro e pobre, será eliminado do processo seletivo, sem qualquer preconceito. Critérios apenas técnicos foram usados, ele foi analisado e compreendido como qualquer outro candidato, mas em todo este cenário seria natural que ele entendesse que foi rejeitado não por critérios técnicos, mas por sua cor, ou condição sócio-econômica.
Logo, não é fácil ser justo e não preconceituoso quando há preconceitos bem estabelecidos. E não é fácil ser justo consigo, quando a sociedade sabe que você pertence a uma categoria “perseguida”.
Eu acredito que nós temos sempre que estar atentos a nós mesmos e aos sinais que recebemos do mundo. Nós não somos nem tão bons nem tão maus quanto pensamos que somos, é difícil ter plena consciência de nossas virtudes, capacidades e também de nossas fraquezas e limitações. É um trabalho diário e contínuo. Mas é importante estar atentos e saber ouvir o que é dito sobre nós, mesmo quando não são palavras que dizem, mas olhares, comentários ditos a outros, sorrisos e gargalhadas, gritos ou socos na mesa. Nós estamos inseridos neste mundo confuso e também temos preconceitos sobre os outros e sobre nós mesmos, sejam eles positivos ou negativos, filtrá-los é uma arte.
O único preconceito que todos devemos preservar é o de achar que todos somos humanos e, portanto, falhos. Este só será quebrado quando nos vermos diante da perfeição – e assim terá valido a pena.
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