Conectar-se

Conectar-se

Login e senha. Precisamos de um nome que não é nosso, que é no máximo um endereço nosso, ou um simulacro de nós, um avatar, um algo que nos representa. E precisamos de uma palavra-chave, um algo secreto, só nosso. Para que? Para quase tudo, hoje em dia. Se eu quiser resumir posso dizer: para nos conectar.
Não sou hipócrita de dizer que não faço parte desse mundo. Tenho meus logins e senhas e os uso sem cerimônia. Redes sociais, correios eletrônicos, lojas virtuais e outros badulaques fazem parte do meu cotidiano. Porém, não sou também hipócrita de negar que o seu uso cria uma impessoalidade, uma distância. Dia desses, comprei tênis pela internet. Não falei com ninguém e o tênis chegou aqui em casa. E servia. Mas será que comprar tênis pela internet serve para a minha – e a nossa – vida?

É hábito de quase todos nós estarmos conectados – via login e senha – a uma rede social, como o Facebook. E isso não é mais restrito aos momentos em que estamos na frente do computador. Agora, com os smartphones, levamos as redes sociais para onde estivermos e junto com elas a nossa agenda cheia de nomes. Se antes a tal agenda representava apenas possibilidades de contato com aquelas pessoas, agora ela significa contatos reais e ininterruptos, com as mensagens de aplicativos como o WhatsApp pipocando o tempo todo. Acho que não seria exagerado afirmar que várias pessoas já interagem via computador ou celular, diariamente, com mais contatos virtuais do que com pessoas reais. Eu sei que esse é o meu caso, ao menos. Conectado. Conectado?

Ainda explorando coisas que tem acontecido comigo e que tento ruminar aqui nesse texto, experimentei dia desses, no carnaval, outros tipos de conexão. As conexões que só o mundo off-line permitem. Uma viagem de ônibus – lotado e com trânsito, por conta do feriado – para uma ilha. Pegar um barco, já depois de escuro, para alcançar o destino há mais de uma hora do continente. Armar uma barraca, inflar um colchão de ar e fazer amizade com os desconhecidos da barraca ao lado, enquanto ouvimos grilos chiando e o barulho do mar. Negociar a locação de uma bicicleta discutindo se a maré vai subir e se a terra vai fofar. Andar por 30km na companhia de desconhecidos para alcançar uma paradisíaca piscina natural escondida no meio da mata mas não tão longe da praia. Comer camarão e peixe, a famosa “porção mista”, preparada na hora mas colhida do mar pela manhã. Ouvir a explicação do nosso guia não apenas sobre o palmito jussara mas também sobre as dificuldades para cuidar de sua mãe enferma, os transtornos para leva-la do vilarejo em que habitam, em uma das ilhas do Parque Ecológico da Ilha do Cardoso, até o continente e de lá para a selva paulistana.

Para viver essas experiências acima eu não precisei de um login e nem de uma senha. Para conectar-se com pessoas que conhecemos “fora da internet” precisamos estar presentes, precisamos ouvir, falar, interagir. E além da conexão com novas pessoas, com suas experiências de vida tão diferentes e, também por isso, tão fascinantes, experimentei também uma conexão com a natureza. E a natureza ainda não tem entradas USB e nem HDMI, mas garanto que armazenam mais dados do que somos capazes de processar e nos entregam cores, cheiros e sons em altíssima definição e resolução. Bastou estar lá e desconectado. Desconectado?

O fato de tudo isso ter acontecido no carnaval foi ainda mais simbólico. No carnaval é comum vermos as pessoas fantasiadas, cantando e dançando. Também são, ali, avatares. Versões extremamente felizes de si mesmas, dispostas a festa, samba e alegria, de maneira muito mais democrática do que nos outros dias. Usando então essa alegoria, queria que em nosso desfile pessoal houvessem carros alegóricos para exaltar a família, os amigos, a natureza, as pessoas, a verdade, a simplicidade, o que nos faz humanos. E que o nosso estandarte fosse o de viver plenamente a vida. E que ao segurarmos essa nossa bandeira, sambando calorosamente para que ela ganhe vida, um mestre-sala majestoso, divino e galante nos exaltasse em nossa beleza.

Quando voltamos ao mundo real, notamos que toda a alegria do fim de semana de carnaval é substituído pela tensão e competição da apuração das notas. Mas aqui, neste 171 cheio de símbolos, não há espaço para maior e nem menor, só para o igual.

Publicado originalmente aqui.

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