Dá para viver assim?

Dá para viver assim?

Dá para se viver de maneira bastante simples e feliz na maior parte do tempo. É possível também, porém, complicar inutilmente, vivenciar mil e uma dificuldades, várias vezes fictícias, e ser infeliz a maior parte do tempo. Como eu prefiro viver? Como as pessoas, em geral, preferem viver suas vidas?

Apesar de, posto dessa forma, parecer uma pergunta retórica o que eu observo na prática é que há pessoas que respondem, como esperado, que preferem viver uma vida simples mas que, na prática, vivem a segunda opção – muitas vezes sem se dar conta. Muito mais do que seria esperado, acrescento sem qualquer validação científica. Precisamos ser tão complicados assim? Já não está na hora de romper com esse contrato social viciado a que somos expostos?

Há mil e um exemplos disto por aí, é só observar atentamente. A tal qualidade de vida de uma pessoa, essa meta tão almejada e tão mal definida, para alguns pode ser medida através de alguns atributos tais como o dinheiro que se dispõe para viver: o seu padrão de consumo, o acesso a certos confortos como um carro ou uma piscina, o seu tempo livre para ser passado com a família e os amigos, o tempo gasto com atividades de lazer.

O que eu noto ao escrever o parágrafo anterior é que qualidade de vida é mais um dos vários produtos que foram inventados para que a gente saiba medir se somos ou não felizes ou bem-sucedidos. O conceito é tão vago e ardiloso que para alguns possuir um carro pode ser visto como possuir um utilitário de transporte (o que, pessoalmente, acredito que deveria ser sempre o propósito final) enquanto para outros é um item de status social, para me distinguir dos demais, para indicar que a minha qualidade de vida é melhor do que a sua. E, para esses, evidentemente que não se deve possuir qualquer carro: modelos, acessórios, ano de fabricação… tudo passa a contar para que eu tenha o melhor(?) que a tecnologia de transporte pessoal automotivo tem a me oferecer. E é evidente que se meu vizinho tem o último modelo de uma ferrari estacionada na garagem tripla de seu palacete ele é uma pessoa que vive muito melhor do que eu.

Essa comparação de posses é um exemplo óbvio de que podemos complicar coisas simples. O modelo capitalista em que vivemos é mestre em nos fazer criar necessidades desnecessárias. A mola matriz é o consumo e, para isso, precisamos satisfazer não apenas necessidades mas também desejos. E o desejo de ostentar, muitas vezes mesmo sem de fato ter meios para isso, é um dos vários que é explorado pelo sistema para que ele sobreviva. E estamos tão acostumados a viver e a ser expostos aos julgamentos inerentes à sociedade em que vivemos que, talvez inconscientemente, julgamos as pessoas baseadas em fatores materiais. Nunca vi um estudo sério a respeito disso, mas não me surpreenderia com um estudo que apresentasse como resultado que as pessoas acreditam que quem as presenteiam com itens mais caros são aquelas que as têm em maior apreço. O contraponto desse argumento é quem está diante do dilema de escolher um presente e tem duas opções, um primeiro item que é mais barato mas que gostamos mais e achamos que combina muito mais com a pessoa a ser presenteada e um segundo item que é mais caro mas menos adequado. Quantas pessoas já não optaram pelo item mais caro, por julgar que assim o presente será “melhor recebido”. O pensamento parece ser “Ah, se não gostarem do presente, ao menos notarão que ele foi caro…”.

Deixe-me voltar agora aos demais complicadores, intimamente relacionados. Se padrão de consumo e valor das coisas está relacionado, em nossa sociedade viciada, a felicidade então precisamos de dinheiro para sermos felizes. Esta conclusão é extremante perigosa e diretamente relacionada aos complicadores de vida que citei acima. Precica ser assim? E mais, isso está diretamente relacionado a outros problemas. O tempo livre para fazer lazer ou ser dispendido agradavelmente com amigos e família. Tempo livre quando, se preciso trabalhar o tempo todo? E, ainda que eventualmente eu tenha um ou outro tempo realmente livres esse período pouco provavelmente casará com o tempo livre das pessoas com quem se gostaria de estar, pois também elas estão envoltas na corrida dos ratos.

Mas, no mundo moderno, esse contato real e direto não é mais necessário – e isso é um avanço. Hoje podemos estar próximos, a um clique de distância, de todas as pessoas que conhecemos em nossa vida. Desde o amigo de infância com quem estudamos e brincamos durante anos até a pessoa que conhecemos na balada de ontem a noite. As redes sociais são ferramentas consolidadas que nos permitem compartilhar pedaços de nossas vidas com amigos e família, e se bem utilizado pode-se fazer de maneira seletiva de forma a garantir alguma privacidade. Simples e prático, não é certo? Em teoria sim, mas como somos mestres na arte de complicar passamos a usar como ferramenta de vaidades. Isso não é ruim e não tem maiores impactos em nossas vidas, até o momento em que somos perguntados por que deixamos de curtir isso ou aquilo ou se notamos que fulano de tal citou sicrano e não você em um post super legal sobre um evento qeu ele está organizando. Somos ou não somos mestres na arte de complicar? Facebook não é termômetro de afeição. Se meu post teve 10 ou nenhuma curtida, isso não muda em nada quem eu sou. Da mesma forma que não o dizem o carro que uso, o saldo de minha conta bancária ou se a minha roupa está bem passada ou não.

Somos mestres na arte de complicar o que pode ser simples. Ouvimos alguém nos dizer algo e tentamos interpretar o que quiseram dizer ao invés de nos atermos no que foi dito! Nos julgamos muito experientes na arte de detectar mentiras, intenções ocultas, planos ardilosos que nos farão sofrer. Por vezes, confiamos mais em nossa intuição sobre o futuro do que no que a vida nos apresenta como fato consumado. E, invariavelmente, complicamos tudo. Dá para simplificar. Dá para olhar o outro sem julgar. Dá para, ao julgar, fazê-lo baseado menos em aparências e mais em valores reais. Dá para ver o dinheiro como uma forma de se viver bem a vida e não a razão pela qual a vivemos. Quem somos? O que queremos? Se as respostas pararem de estar atreladas ao nome de nossa profissão e a uma lista de bens que queremos possuir, acho que passaremos naturalmente a uma sociedade mais simples. E isso não é, de maneira nenhuma, um manifesto comunista. Eu enxergo que podemos viver de uma maneira muito mais social-democrata no estado capitalista em que estamos. A revolução que precisamos é de comportamento individual e coletivo e é essa mudança que impulsionará, se necessário, mudanças no nosso sistema político.

Vamos ser felizes hoje, agora! Depende apenas de cada um de nós. Viva simples e viva a simplicidade. Menos é mais!

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