Fatos são fatos. Interpretá-los é que são elas…
Com o fim de meu casamento entrei em uma fase em que tenho ouvido muitos conselhos, muitas opiniões. Cada amigo tenta me ajudar de uma forma ou de outra a atravessar esse período de dor e de reconstrução. Uma palavra de conforto aqui, um gesto de carinho acolá. Algumas dessas frases marcam e vem a tona repetidas vezes, uma vez que assimiladas.
A mais recente dessa coleção é a que batiza esse farelo. Fatos são apenas fatos. Não são bons, nem maus. São apenas fatos. Cabe a nós interpretá-los e esse julgamento, inerentemente individual, é que colore a vida, nos impulsiona para uma ou outra direção, motor de nossas ações e decisões. Cada um de meus farelos é um fato. Esse próprio farelo que agora escrevo é um fato. Há apenas uma interpretação para ele? Há algo certo ou errado em interpretá-lo de uma maneira ou de outra? Perguntas cuja resposta não tem impacto algum, a resposta já é uma interpretação e, portanto, subjetiva e importante, talvez, somente para quem a respondeu.
O conselho, é claro, não acabava ali. Consistia, na verdade, em afirmar que devemos evitar ao máximo as tais interpretações. Quando interpretamos o fazemos segundo nossa visão de mundo, nosso momento atual, nossas vontades e anseios e tentamos, sempre, fazer as coisas terem um sentido em nossas mentes. Se somos otimistas, vemos o copo meio cheio. Aos pessimistas, resta o meio vazio. O mesmo fato, duas interpretações, duas formas de viver a vida.
Nesta minha nova fase adotei a sinceridade como arma. E também a liberdade de dizer o que penso e de deixar as pessoas livres para dizerem o que pensam e fazerem o que querem. Isso são dois fatos. Quando digo e reafirmo coisas ou respondo às perguntas que me fazem sempre busco a sinceridade em primeiro lugar. Sempre olho para a direita e não para a esquerda. Procuro ser o mais claro possível, dizer exatamente o que estou sentindo. Às vezes, vejo-me obrigado a omitir detalhes mas isso não me faz mal, visto que perdi a necessidade de convencer as pessoas de que estou certo. Tenho que, cada vez mais, aprender que respeitar diferenças faz a vida mais simples e agradável.
Outro amigo disse-me que as decisões que tomamos nunca são racionais. A razão vem numa etapa posterior, para emoldurar a decisão tomada, de uma forma que ela possa ser afixada sobre a parede de nossa sala de uma maneira que os visitantes – e nós mesmos – possamos admirá-la, notando a exatidão da forma, a perfeição das cores, os motivos das pinceladas do artista. O quadro, na parede, precisa de uma moldura. Não podemos exibir apenas a gravura.
Porém se, de fato, as decisões são tomadas no estômago e não no cérebro, posso continuar julgando-me um ser racional? Posso continuar achando que as minhas reflexões me são de alguma forma úteis? Evidentemente. Uma moldura pode, por vezes, chamar mais atenção do que o próprio quadro, valorizá-lo ao realçar o que há de melhor nele. E se há razão no que o estômago nos diz, encontrar os argumentos que fazem a azia passar é tarefa fácil. Se o mal-estar não vai embora pode ser, simplesmente, um problema de refluxo. Ou pode ser que não há moldura capaz de enquadrar nossa gravura. Não cabe, não encaixa, não realça. O estômago, por vezes, vomita.
Fazendo referência cruzada, hoje notei que não nasci para ser par. O verbo não é o adequado. Ser um par não, mas fazer parte de um sim. A individualidade é algo de que não posso abrir mão. Sinto-me bem só. Muito bem. Na verdade, em vários momentos, volto a me sentir eu e noto, tristemente, o resgate de alguém que havia sido abandonado.
Para finalizar o texto, empresto-me de alguns versos da fabulosa Camille: Quand je marche, je marche. Quand je chante, je m’abandonne. Quand je marche, je marche droit. Quando eu sigo, eu sigo. Quando eu canto, eu me abandono. Quando eu sigo, eu sigo em frente. E isso é tão somente mais um fato.
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