Foxcatcher

Foxcatcher

O subtítulo nacional de Foxcatcher (dirigido por Bennett Miller, de Moneyball e Capote) é o pomposo “Uma História que Chocou o Mundo”. Eu não conhecia a tal história, baseada em fatos reais, que narra o patrocínio do multimilionário John du Pont (o comediante Steve Carell em papel dramático que lhe valeu indicação ao Oscar) à equipe norte-americana de luta greco-romana e, em especial, aos campeões olímpicos da modalide Mark (Channing Tatum) e David Schultz (Mark Ruffalo, em fase Bruce Banner). Mas sei que ao final da exibição eu estava com o humor bastante alterado, chocado como previra o título e, mais ainda, horrorizado. Com a nossa fragilidade, emocional (du Pont) e física (David). Nos riscos de criarmos personagens para nós mesmos e de nos tornarmos escravos deles.

Essas sensações me deixaram ainda mais incomodado por eu não ser o tipo de pessoa que se envolve emocionalmente com facilidade com os filmes. Em geral, na verdade, sou bastante racional e tendo a fazer análises durante a projeção que acabam por me distanciar emocionalmente um pouco das narrativas. Isso, é claro, não é regra. É comum, na verdade, ver-me surpreendido totalmente envolvido com os personagens e seus dilemas ou aventuras. E esse é um bom termômetro.

No caso da história de duPont e dos Schultz, creio que a narrativa extremamente lenta e contemplativa adotada pelo diretor Miller foi um dos fatores que me levou tanto para dentro da história. Bem como as interpretações envolventes do trio central. Cabe citar também a presença marcante, apesar de curta, de Vanessa Redgrave como a mãe de du Pont, Jean. A cena em que ela entra na academia Foxcatcher para acompanhar um dos treinamentos que o filho “lidera” é um ótimo resumo do filme e do patético personagem.

O resumo do filme é simplório. Mark e David são irmãos e medalhistas de ouro em Los Angeles, 1984. Estão se preparando para o mundial e as Olimpíadas seguintes, em Seul, 1988. John du Pont é aficionado pelo esporte, tem todas as facilidades em sua mansão para propiciar um treinamento de primeira classe e convida os irmãos e outros lutadores para formarem a equipe Foxcatcher de luta greco-romana, sob seu patrocínio e supervisão. Ele começa a desenvolver também uma relação cada vez mais próxima, especialmente com Mark, explorando sua necessidade de autoafirmação. Em paralelo, ele vai desenvolvendo a imagem de um grande líder, treinador e incentivador do esporte. O subtítulo nacional já indica que a história não vai acabar bem e é justamente essa trajetória rumo à tragédia que tornam Foxcatcher um filme pesado, denso e ao mesmo tempo revelador daquilo que o ser humano tem de pior: vaidade, futilidade e um enorme egoísmo.

Carell está irreconhecível como du Pont. Envelhecido, ligeiramente acima do peso, absolutamente contido e de ações lentas e premeditadas, nada histriônico. O seu John du Pont é um ser patético – não há outro adjetivo. Tem sonhos de grandeza mas não consegue sequer produzir frases grandiloquentes, o que dirá então de seus atos. Cria para si uma imagem de alguém que não é. Compra pessoas para que a tal imagem pareça real. E satisfaz-se com esse mundo de faz-de-conta. Durante a projeção tracei um paralelo com um fenômeno similar e que acomete vários de nós: os nossos perfis e personas virtuais, que não deixam de ser seres de faz-de-conta que insistimos em tentar tornar críveis.

Channing Tatum e Mark Ruffalo também entregam atuações de primeira. Tatum arrasa como o inseguro Mark, que sente a sombra do irmão mais velho. Será ele a razão de seu sucesso? Terá ele capacidade de ser, sozinho, um vencedor? Neste caminho de autoafirmação, o envolvimento com du Pont mostra-se revelador, mas destrutivo. E David é um personagem chave para o sucesso do filme. Calmo, dedicado, responsável, é o contraponto a todo o resto. Ruffalo está incrível transmitindo toda a tranquilidade e segurança de seu personagem, que serve de antagonista aos anseios de afirmação de Mark e John, sendo que ele é na verdade o personagem mais virtuoso da trama.

A fotografia do filme é belíssima, aproveitando para retratar a imensidão da propriedade dos du Pont mas conseguindo criar o clima de tensão e melancolia necessários ao tom da história. 4 Pipocas em 5.

SPOILER A VISTA

Da mesma forma que Mark buscava sua afirmação junto a David, John buscava com sua mãe. A cena em que ele negocia com ela onde colocaria o seu troféu de vencedor do torneio sênior é emblemática. A propósito, a cena em que ele conquista a vitória – e o troféu – contra um adversário obviamente entregando a luta é fantástica por mostrar como o personagem não se dá conta, ou não se importa, com a artificialidade do mundo que compra.

Quando Jean falece e John liberta os seus cavalos, aqueles a quem ela devotava toda a sua atenção, é como se ele se libertasse dela. E, desta forma, passasse a poder viver plenamente seus próprios anseios. E é a partir dali que ele se vê livre para perceber que de nada adiantaria criar um personagem para si que satisfizesse à sua mãe e aos outros, se ele fosse vazio e refletisse a grande mentira que era sua vida. E foi por não suportar essa realidade que a saída encontrada foi matar o espelho de quem queria ser, escancarada no documentário que produziu para si, com frases que o vangloriavam escritas por ele mesmo e recitadas ou lidas por outros. Aquele seria um documentário verdadeiro, se fosse sobre David Schultz. Mas não era, falava de John. A única saída que ele viu para resolver o dilema era tirar a vida de David…

Por falar no documentário e em David, Ruffalo merece as indicações que ganhou, está irrepreensível, com destaque para a cena em que tem gravar sua participação no documentário. E a sua enorme dificuldade em apenas dizer o quanto John era um líder inspirador mostra todo o caráter do personagem e a sua dificuldade em viver aquela farsa. E ao render-se àquilo, estaria assinando sem saber seu próprio atestado de óbito.

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