Geração Instagram

Geração Instagram

Um dos hinos dos anos 80, cantado pelo ídolo Renato Russo, foi Geração Coca-Cola que alertava para o consumismo americanizado em versos como: “quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos USA de 9 as 6”. Pois bem, lá se vão vinte anos e não cuspimos o lixo de volta e muito menos fizemos nosso dever de casa para derrubar reis. O Brasil é cada vez mais um país cheio de consumistas, que vivem para trabalhar e poder assim ter mais acesso a bens de consumo que – tal qual dita a cartilha – são a materialização da felicidade.



A ideia desse 171 começou com a observação de que passamos cada vez mais tempo online e, o que é ainda pior, os smartphones fizeram com que esse hábito passasse a nos acompanhar nos nossos bolsos ou bolsas. Algo que há 4 ou 5 anos era restrito aos momentos em que estávamos diante de um computador agora consome inclusive nosso tempo de trânsito. Hoje, por exemplo, eu sai do computador e fui, de olho na tela do celular, até o elevador onde várias outras pessoas cumpriam o mesmo ritual, hipnotizadas por seus aparelhos. E assim era na praça de alimentação e no caminho até ela, no transporte público e mesmo na plateia de uma palestra. A praga é tão grande que agora não há mais atividade que mereça nosso foco total. Tudo pode ser interrompido para uma checagem rápida de e-mails ou de novas mensagens do WhatsApp ou um novo post no mural do Facebook.

Diante desse cenário apocalíptico – e não exagero, estou realmente preocupado, com minha própria saúde mental e com os rumos do mundo – eu pensei em explorar o tema e nada seria mais natural do que usar a mais popular das redes sociais, o próprio Facebook, para batizar a nossa geração. Mas, ao me deter com um pouco mais de tempo à essa reflexão, passei a achar que a rede social que melhor simboliza o nosso momento é o Instagram, a rede de compartilhamento de fotografias.

As redes sociais são apenas uma forma de potencializar e deixar muito claros os principais traços de personalidade individual e coletiva. Tanto é que é comum a proliferação de textos com os “perfis que mais irritam” nessa ou naquela rede social e, certamente, todos nós temos exemplares de cada um deles em nossa lista de amigos. Nada mais normal. Mas alguns desses fatores são bastante representativos do que temos de pior enquanto sociedade: intolerância, excesso de vaidade e de auto-promoção e desrespeito à opinião do próximo.

Passo agora ao exercício de encaixar cada um desses tópicos com o Instagram para, assim, justificar a minha escolha deste aplicativo especificamente para ilustrar os vícios mais detestáveis da nossa geração.

Auto-promoção parece até dispensar argumentos, basta notar como os “selfies” (ou auto-retratos) se popularizaram ao ponto de mais de 2 milhões de pessoas repassarem a foto da cerimônia do Oscar, em uma sacada consumista da Samsung e da apresentadora Ellen de Generis. Já tivemos o famoso selfie de Obama com a dinamarquesa no funeral e a palavra “selfie” foi eleita a palavra do ano passado pelos dicionários Oxford por conta de um aumento de mais de 17 mil porcento nas suas citações.  Um fenômeno. Assim, tiramos fotos não apenas para compartilhar momentos legais com família ou amigos (para isso, poderíamos usar um compartilhamento mais privado via um grupo do WhatsApp ou até mesmo do Facebook). No Instagram o foco são as fotos – e não o que pensamos ou como estamos nos sentindo. É a cultura da aparência, antes do conteúdo. Assim, ainda que vários usem o serviço para promover a fotografia enquanto arte, a maior arte usa mesmo para se autopromover, o que envolve de certa forma a cultura do “olha o que eu fiz”, com um certo ar esnobe e tolo. O mais importante não é viver uma experiência legal mas sim ser visto vivendo-a. É ai que as coisas podem passar do ponto e ao invés de intensificarmos a experiência, muitas vezes só a vivenciamos através dos “olhos” da câmera. Eu mesmo já me peguei mais de uma vez gravando uma música sendo tocada pelos músicos ao invés de simplesmente curti-la como se deve, com foco, atenção e entrega. A charge que usei para ilustrar o 171 de hoje carrega em si essa ironia, com a placa do restaurante cobrando preços diferenciados se o cliente vai querer o prato “com Instagram” ou “sem Instagram”. E nessa argumentação toda acho que o excesso de vaidade já está incluído.

Posso também aproveitar um recurso muito utilizado do Instagram para servir de metáfora para outro comportamento detestável de nossa sociedade moderna: a intolerância. Para tanto, vou pedir ao leitor que pense nos famosos filtros do Instagram. A gente vai, bate a foto, registra a realidade e depois, em geral, faz o que? Aplica uma série de filtros para tornar a foto mais bonita, mais atraente, mais “encaixada ao gosto geral”. Essa técnica de alterar a realidade serve muito bem para caracterizar nossa incrível vontade em adaptar o mundo à nossa vontade, ao nosso “belo”. E, é claro, sendo o mundo como ele é e tendo todos os outros seus próprios filtros, cada um vai ver a mesma imagem de uma maneira particular, única, individual. E a confusão está armada, pois lá, na minha conta, no meu perfil, o mundo é azul e não estou muito disposto a ver esse mundo esverdeado que você quer me mostrar.  E a intolerância passa a saltar aos olhos, uma vez que os filtros que cada um usa são incompatíveis e, assim, a realidade lhes parece tão diferente e, ao mesmo tempo, tão crível. E sobra desrespeito.

Enquanto vivermos com os valores errados não há como a conta fechar no final, vai sempre ter gente – muita gente – devendo e vivendo no vermelho. E, infelizmente, nossa Geração Instagram está tão preocupada em aparecer bem na foto que será difícil encontrar o caminho para uma felicidade que não dependa do saldo em conta bancária, do preço do carro garagem ou da beleza do prato gourmet. Bom apetite. Clique.

Publicado originalmente aqui.

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