Gravidade
Quando eu assisti ao trailer de Gravidade (Gravity, 2013, dirigido por Alfonso Cuaron) eu já imaginava que o filme seria excelente. Dito e feito. Acompanhamos aqui a missão de reparo do satélite Hubble, capitaneada pelo experiente e bonachão Matt Kowalski (George Clooney, carismático como sempre) em sua última missão antes da aposentadoria, em contraste com a competente porém novata Ryan Stone (Sandra Bullock, perfeita), em sua primeira missão no espaço e como responsável pelos reparos. Tudo corria bem até que destroços decorrentes da explosão de um satélite russo atingem-nos, matando os demais tripulantes da missão e deixando-os, literalmente, soltos no espaço. Deste instante para a frente vemos a luta pela sobrevivência em um clima de constante angústia e desolação.
O filme é muito bem construído e funciona bem em seus quatro principais pilares: o roteiro que extrai o máximo das situações tensas de busca pela vida mantendo a verossimilhança, a fotografia em 3D que aproveita muito bem a amplidão do espaço sideral e os recursos visuais proporcionados pelos ambientes sem gravidade, a música que confere uma tensão absurda além de pontuar os sentimentos dos personagens sem ser intrusiva – e sendo usada como elemento substituto ao silêncio sepulcral proporcionado pelo vácuo e, principalmente, na atuação da dupla de astros, despedidos da vaidade habitual para comporem personagens carismáticos e fortes. Stone, com uma força interna de pedra, poderia com mais algumas missões virar Ripley. O filme é tenso na medida certa e só não é perfeito, para mim, por conta de pequenos detalhes na parte final que me incomodaram um pouco. Se o sistema de notas não fosse discreto, valia 4,5 pipocas.
A seguir alguns pequenos comentários mais apropriados para quem já viu o filme.
Pode ser coincidência, mas eu acho que Hollywood não está ai para brincadeira e que o desastre ter sido causado por uma explosão russa e a salvação ter sido encontrada em uma nave da estação espacial chinesa são um aceno político subliminar.
Realço também a bela imagem da astronauta Stone assim que consegue finalmente entrar na cabine da estação espacial, depois de um longo trajeto em que se vê sozinha, recuperada, sozinha novamente mas desta vez de forma cruel e com o oxigênio já praticamente extinto. A imagem para simbolizar tudo isso? Despe-se de sua vida atual – de seu traje espacial – e curva-se, respirando, revivendo, renascendo em posição fetal. Bela alegoria de Cuaron.
Um outro ponto interessante no arco dramático da personagem é como os mesmos cabos presos à estação espacial servem para salvar sua vida – mas não são o suficiente para salvar a vida de seu parceiro – e depois servem para atrapalhá-la quando já na pequena nave que rumará à estação chinesa, que acaba também presa nos mesmos cabos. E é assim que vemos como a morte acidental de sua filha, ao que ela era incapaz de reagir, acaba por resolver-se quando ela tem que lutar pela vida com toda a sua força ainda que tenha que presenciar o desprendimento de Kowalski por salvá-la, ao literalmente desprender-se de Stone fazendo com que ela conseguisse assim chegar à EES.
Achei que o filme poria tudo a perder quando, em um determinado momento, Kowalski reaparece para encontrar a vodka e fazer um discurso edificante. Seria ruim por diversos motivos mas, principalmente, pelo fato de Stone ter sobrevivido à entrada dele sem capacete. Felizmente, Cuaron sabe o que está fazendo e usa um salvamento alegórico além do salvamento físico ocorrido anteriormente. Stone resgata a vida ao conectar-se a um desconhecido, seu cão, seu bebê e aos fantasmas dos próximos que já se foram. Recado dado, vida que segue e uma bela história para contar.]
Publicado originalmente aqui.
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