Hermético

Hermético
Hermetic (by Lucian Stanculescu)

Fui embora de Lyon. A despedida veio comigo, fiquei em trânsito, com amigos, na casa de um deles, em um hotel, em um apartamento alugado. Nada de definitivo. Tudo temporário. A despedida se consumou e Lyon voltou para a França. Morei então, por 15 dias, em uma cidade onde nunca havia pisado. Joinville foi novidade, foi reencontrar a família, foi conviver pela primeira vez com minha sobrinha mais nova, ela que nasceu enquanto eu já estava fora. Lá, respondi com todas as letras que não tenho casa, não possuo endereço, sou um caminhante errante.

Fui embora de Joinville. Foi intenso, foi importante e… finito. Pois tudo é finito e a partida era parte do plano. O plano que seguiu de uma cidade onde tudo era novo para a cidade que apresentou-se nova. A Campo Grande que nunca havia me encantado, durante os 12 anos em que lá morei, mostrou-se exuberante nos poucos 5 dias em que lá estive. Toda renovada, ambientes comuns bem cuidados, novas ciclovias, gente fazendo esporte para lá e para cá, novas opções culturais e de lazer, música autoral de qualidade. Bom, Campo Grande sempre foi um lar para mim por conta dos amigos que fiz, da família que construí… e agora a cidade acena com um algo mais. Pisca para mim, justamente no momento em que viro as costas para ela. A passagem por Campo Grande foi tão intensa quanto cinco dias podem ser. Muitos reencontros, alguns encontros e até desencontros e quase encontros. Todas as possibilidades de se viver, espremidas em alternativas de múltipla escolha sem resposta verdadeira.

E, em seguida, a volta a um antigo lar. Costa Rica, a cidade onde cresci. Aniversário com a mãe e o meu “irmão de criação”, com sua família. Almoço delicioso, papo agradável e muitos contatos. Um dia atípico.  É interessante perceber como no dia de seu aniversário muitas pessoas procuram falar com você. Parece que, naquele dia especificamente, há a necessidade de reafirmarem que me querem bem, que minha felicidade é importante para eles, que me desejam paz, saúde, alegria. Naturalmente sempre há pessoas que sei que me querem bem e se importam comigo e que não conseguiram falar comigo, bem como uma série de outras pessoas que estão cumprindo um protocolo social e que, no fundo, não se importam nem um pouco comigo ou com o meu futuro. É assim que é e, no dia seguinte, a vida volta ao seu ritmo normal em que apenas os amigos realmente próximos se mantém (não tão) próximos.

Antigo lar que se transforma em novo lar, mas ainda temporário. Pelos próximos três meses fico aqui, planejando, agindo, decidindo, me preparando para o próximo passo – que vai durar quanto? E, chegou a hora, de ao menos esse texto ter uma reviravolta, já que minha vida vem seguindo ritmada os trilhos planejados já há alguns meses. Deixa eu parar de recapitular e especular. Deixa isso para lá, o que é que tem? Eu não estou fazendo nada, você também! Se escreveram receita de miojo em prova do ENEM, acho que tenho o direito de uma citação incidental de Jair Rodrigues, não é mesmo?

Esse texto, afinal, deveria ser uma imaginação, no velho sentido do joguinho em que um desenho conduz seu pensamento pelas palavras, em busca daquela que melhor descreve os rabiscos que estão à sua frente. Um cadeado na boca. Uma porta na cabeça, fechada. Um cadeado no ouvido. Chaves, chaves, chaves. De todos os formatos e tamanhos. Mas a porta está fechada e as chaves não tem o mesmo encaixe. Tá, deixa eu tentar encaixar isso tudo então e, hermeticamente, continuar falando de mim.

A imagem mostra boca fechada. Nada será dito. A imagem mostra um ouvido trancado, não quero ouvir seus conselhos. Pois a imagem não mostra o coração. A pessoa posicionou-se, ao ser retratada, de maneira a não exibir seu peito. Estará ele aberto ou fechado? Independente de como esteja, nada será dito. Meu palpite é de que está fechado, pois tudo está fechado. Mas como posso palpitar se é sobre mim mesmo que falo? Palpito pois a própria consciência fechou-se e não quer deixar nada novo entrar. Palpito pois meu saber sobre mim mesmo me deixa em dúvida. Ao manter tudo encarcerado noto, resoluto, que não consigo ver ali adiante. Vale a pena lutar se as chances de sucesso são tão insignificantes? Se meus esforços já mostraram, claramente, que não há realmente nada? Boca fechada! E não me respondam pois eu não vou ouvir…

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