Keisha ou o caminho do Kilimanjaro

Keisha ou o caminho do Kilimanjaro

Estou aqui com a minha esposa, na África, com um grupo de seis outros brasileiros, para subir o monte Kilimanjaro.  Chegamos ontem a noite, hoje fomos a um safari e avistamos girafas, zebras, antílopes, várias espécies de macacos, flamingos, javalis, lêmures. Uma fauna variada, um dia agradável. É claro que a ansiedade é alta para esta que é talvez a maior aventura até aqui por mim vivida.

Não que haja riscos, não há. O guia é o experiente Manoel Morgado, médico gaúcho que se descobriu guia de montanha há anos e foi o segundo brasileiro a completar os sete cumes, isto é, alcançar o ponto mais alto dos sete continentes, contando a Antártida e dividindo a América em Sul e Norte. Sim, o Everest está incluído ai e ele não só o escalou como é o estrangeiro que mais levou grupos até o seu campo base. Não bastasse o guia, eu e a Gi estamos nos preparando há algum tempo seja com a aquisição dos equipamentos adequados (e a lista completa passa de duas páginas) seja com a preparação física, lançamos mão de um ótimo profissional para nos preparar, ainda que meio em cima da hora, nos últimos três meses antes da viagem. A trilha que leva até os mais de cinco mil e oitocentos metros do cume não requer técnica especial de escalada ou algo assim, o período de aclimatação é feito adequadamente com uma trilha que leva sete dias, tentando minimizar os efeitos da altitude.

A ansiedade porém é natural, afinal, trata-se do maior cume africano e um dos maiores do planeta a serem vencidos por alguém, como eu, que até aqui só enfrentou algo em torno dos três mil, na minha trajetória rumo ao monte Putucusi no Peru, já narrado aqui em forma de farelo… três mil metros que, segundo Morgado, sequer é considerado altitude.

árvore espinhosa da tanzânia da qual se alimentam girafas

A ansiedade, no entanto, não se deve apenas ao fato dos desafios pessoais ou da possibilidade de superar meus limites ou estipular novos índices e metas. Não, pelo contrário, este é o lado que menos considero. A perspectiva que realmente me atrai e que é a real motivadora é a possibilidade de realizar sonhos – e sonhos que se sonham juntos viram realidade, como já dizia Raul.

O sonho nasceu com a Gi mas me pegou de jeito. Recuperei em mim, através dela, o meu fascínio pela natureza que traz para mim um equilíbrio saudável entre as urbanidades que adoro e a essência da vida, que busco e só encontro quando me volto para mim mesmo e para as coisas simples e básicas da vida… a minha regra é: quanto menos interferência humana, mais forte o impacto. São esses os opostos que me inquietam e me atraem. A intensidade da paixão dela pelas cavernas e montanhas fez isso brotar de novo também em mim e a possibilidade de, neste resgate, chegar ao cume da África, transformou-se em uma missão. O fato de haver possibilidade de fazer com o Morgado – que passei a admirar ainda mais e que, por acaso, é o autor do livro que foi o meu primeiro presente para ela, sobre a escalada dele ao Everest – foi um acréscimo irresistível. Adiciono uma entrevista super interessante ao final do texto com ele para quem possa se interessar.

Faltava convencer a Gi… O fato de ela estar com o joelho lesionado e ter ouvido um “Melhor você parar com a corrida de rua e começar a pensar em jogar xadrez” de um médico irresponsável com os sonhos alheios não ajudava. Mas o Morgado era um ídolo e o Kilimanjaro um sonho antigo, então ela se motivou a ouvir uma segunda opinião… e o dr. Calil foi um alívio, passando uma receita que envolvia abandonar o salto alto, fazer fisioterapia e cuidar do joelho e uma musculação para fortalecimento dos músculos. A Gi seguiu à risca e cá estamos. A caminho do Kilimanjaro, com o joelho dela curado, já conhecemos o fantástico Manoel. São conquistas que fazem com que a trilha, que efetivamente começa só amanhã, já seja uma nova etapa de tudo. O que vivemos até aqui já valeu e já é sonho realizado. Vamos agora fazer valer toda a expectativa e ansiedade em forma de caminhada, superação dos males de altitude que virão trazendo suas dores de cabeça, do frio de menos dez graus com sensação de menos vinte… vamos agora começar a escrever esse novo capítulo, rumo ao topo da Tanzânia e da África, um dos sete cumes do mundo, que depois eu venho contar aqui.

A propósito, este farelo se chama Keisha pois este é nome da espinhosa árvore da que serve de base alimentar das girafas daqui. É incrível imaginar como um animal consegue se alimentar de um arbusto tão cheio de espinhos em forma e cor de ossos, parecendo marfim. Mas essa foi a lição de hoje, não são espinhos amedrontadores que devem nos afastar daquilo que nos alimenta.
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