Mais histórias de taxistas (ou Vou de Taxi Vol. 2)

Mais histórias de taxistas (ou Vou de Taxi Vol. 2)

Eu tenho quase que um subtema nos 171s de sempre que são as histórias que ouço nos táxis que tomo. Foi assim que acompanhei de perto a euforia de poucos anos atrás quando surgiram os aplicativos como EasyTaxi e 99Taxis, que os alforriaram da ditadura e do péssimo serviço prestado pelos call centers das cooperativas e teletáxis, bem como tornaram o ponto de táxi um item obsoleto, um local onde muitos deles sequer encostam durante um dia de trabalho. Era como se os táxis agora não precisassem do escritório e passassem a fazer home-office.

Tecnologia no cravo, tecnologia na ferradura, acompanho mais recentemente também todo o alvoroço e revolta causados pela chegada do ainda não-regulamentado Uber. A concorrência é desleal, o aplicativo é ilegal, somente táxis podem oferecer o serviço de transporte de passageiros, esse é um breve resumo dos óbvios argumentos que ouço quando pergunto como se sentem. Alguns poucos ainda defendem a novidade, dizendo que há espaço para todos e que com a chegada do serviço vários taxistas menos preocupados com a qualidade do serviço que prestam estão tendo que rebolar.

Pois bem, é aqui que cabem algumas novas anedotas acontecidas comigo ou causos ouvidos por aí, que ilustram bem como esse profissional, o taxista, pode ser complicado.

Em geral eu apanho o táxi para ir até o transporte público mais próximo, pois dinheiro não nasce em árvore. Prefiro também pagar no cartão de crédito, me ajuda a ter mais controle do que gastei e minha carteira em geral não tem muito dinheiro, logo prefiro deixa-lo para as ocasiões em que só há esse meio de pagamento disponível, ou seja, se posso escolher, escolho o cartão. Eu sei, sempre me lembram, que os comerciantes pagam uma taxa toda vez que eu pago em cartão. Mas, sinceramente, é um direito meu escolher como prefiro pagar e é um direito deles optar por aceitar ou não esse meio de pagamento.

Complicado é notar como as atitudes dos taxistas mudam quando aceitam um pedido de táxi com pagamento em cartão e descobre que vou ali, pertinho, na próxima estação. Muitos deles querem confirmar se é cartão mesmo. Vários deles inventam histórias de que “a máquina está com problema” ou “eu não tinha visto que era com cartão, eu não tenho mais máquina”. Comportamento irritante e, ouso dizer, mentiroso.

Essa questão das corridas curtas ser odiada pelos taxistas é bem confusa para mim. A bandeirada serve justamente para isso. Uma corrida longa, com muito trânsito, contando depois o tempo para voltar, pode até render talvez R$ 100 em quase uma hora de trabalho… mas algumas corridas curtas, em que se anda poucos quarteirões, podem somar montante semelhante por conta do alto valor cobrado só para se entrar no veículo.

Para alguns pontos onde há uma grande fila de carros, como rodoviárias e aeroportos, eu até fico mais sensível… mas o que fazer? Escolher um destino mais longo do que preciso apenas para agradar ao motorista? Pagar a mais do que efetivamente deveria, só para não me sentir culpado por não precisar ir mais longe do que aquilo? Seria o equivalente a comer uma coxinha no bar e pagar por duas, para não prejudicar o atendente por minha falta de fome. Quem faz isso?

Ano passado precisava ir ao Anhembi e fui até a estação Tietê para apanhar o táxi para completar o percurso. Sou econômico. O taxista se irritou tanto ao ouvir o meu destino, muito provavelmente por ter estado na fila durante um bom tempo, que começou a dizer para si “Eu sabia, eu sabia” enquanto esmurrava o volante. Eu pedi a ele que parasse para eu descer, ele estava visivelmente alterado, dizia que “eu vi, você não tinha mala, só podia ir aqui perto”. Ele não parava e decidi não saltar do carro em movimento, acabamos conversando e ele foi se acalmando. Chegando em meu destino, ele já pegou novo passageiro que dessa vez ia para o aeroporto, rendendo uma boa corrida. Eu ainda tive o prazer de dizer “Viu só, acabou no lucro”.

Da mesma forma, sempre que vou pegar um táxi faço questão de perguntar “aceita cartão?”, mesmo que eu vá pagar com dinheiro. Em geral, acabo pegando o terceiro, quarto ou até o último carro da fila. É um prazer fazer com que estes, mais dispostos a apenas executar seu trabalho para melhor atender a clientela, furem a fila daqueles que preferem escolher quem querem atender ou quem vale a pena ser transportado. É como se aquele mesmo atendente do bar só servisse coxinhas para quem fosse comer mais de duas, deixando com fome aqueles que se satisfaçam com uma.

Ontem ouvi uma história interessante. A cliente pediu o táxi pelo aplicativo, o taxista estava no ponto e pegou a corrida, ligou e soube que ela ia apenas “almoçar ali no bairro ao lado”, e ainda por cima pagando no cartão. Preferiu cancelar. Ela solicitou novamente, outro taxista no mesmo ponto pegou, foi avisado sobre a “bucha” pelo seu colega e também cancelou. Até que outro, mais disposto, ficou tentando pegar caso a cliente tentasse novamente. E conseguiu. Foi até ela e assim que ela entrou no carro, ele disse “A senhora vai almoçar no bairro aqui ao lado, certo?”, ela ficou curiosa sobre como ele sabia e ouviu a história sobre os outros taxistas que recusaram a corrida. Ela então confirmou que ele havia sido a oitava tentativa dela, mas que na verdade ela mentira e que o destino era Sorocaba, outra cidade, e que o taxista deveria esperar por ela lá para depois voltarem. Pagamento via voucher, corporativo, com direito a cobrança do tempo de espera e também do deslocamento intermunicipal. Ao voltar ao seu ponto, bem mais tarde, o taxista exibiu vitorioso o valor vultoso da corrida que os outros desperdiçaram. Parabéns a essa cliente, que através de um artifício enganou àqueles que só visam se dar bem e premiou aquele que queria apenas cumprir bem seu ofício.

Que todos nós possamos pensar um pouco em que tipo de taxista queremos ser.

Leia também o volume 1, publicado há dois anos, clicando aqui.

 

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