O Homem de Aço

O Homem de Aço

O filme O Homem de Aço (Man of Steel, 2013, dirigido por Zack Snyder) é um ótimo exemplo de que não basta um bom diretor e atores carismáticos para fazer um bom filme. Cercado de expectativas depois da bomba Superman Returns, de 2006, essa nova investida passa longe de entregar o que promete, basicamente pelos vários defeitos de sua história.

Curiosamente, entretanto, a reação da plateia ao final do filme foi aplaudir entusiasmadamente e, enquanto aguardávamos por uma possível cena pós-créditos – que inexiste – comentários positivos sobre a película eram emitidos pelo público. Portanto, as coisas que me incomodaram pareceram não incomodar à grande maioria dos demais espectadores.

O roteiro é basicamente um amálgama dos dois primeiros filmes clássicos do personagem dos fins da década de 70, dirigidos por Richard Donner e estrelados por Christopher Reeve. Acompanhamos a destruição de Krypton e o envio de Kal-El (Henry Cavill), filho de Jor-El (Russell Crowe) à Terra. O garoto cresce amparado pelos Kent, Jonathan (Kevin Costner) e Martha (Diane Lane) e descobre seus poderes. Depois, vê-se confrontado pelos exilados de Krypton, o general Zod e sua tropa que querem reconstruir Krypton ameaçando a vida na Terra.

Há, porém, algumas diferenças marcantes, como se houvesse necessidade de se diferenciar. Lex Luthor não dá as caras (apesar da menção à LexCorp), nem Jimmy Olsen (não faz falta) e nem a Kryptonita, que diga-se de passagem é muito mal substituída por um efeito da “atmosfera de Krypton” – que em efeitos práticos é basicamente kryptonita, isto é, um local que deixa o herói fraco. Também não há alívio cômico, tudo é muito denso e levado a sério. Não há nenhum traço do repórter atrapalhado encarnado por Reeve nos filmes anteriores, sempre vemos Clark Kent amargurado com sua condição de super-homem em meio aos falíveis, fracos e desleais humanos. Provavelmente influência do produtor e argumentista Chris Nolan, que procurou trazer um lado mais sombrio e conflituoso ao personagem.

Entendo, no entanto, o que pode ter agradado aos fãs. Temos ação desenfreada – incluindo um prelúdio em Krypton mais longo do que o necessário, bons efeitos, vários personagens secundários são interpretados por astros de Hollywood (Crowe, Costner, Lane, Laurence Fishburne), o novo intérprete do homem-de-aço é bonito e competente, o que também é válido para Amy Adams e sua Lois Lane. Dentre os intérpretes, na verdade, apenas Michael Shannon me pareceu pouco ameaçador com seu Zod.

Como sempre digo, vejam SIM o filme e tenham sua própria visão. Mas acredito que o roteiro mais redondo dos dois filmes originais merece muito mais ser (re-)conferido do que o novo filme do Homem-de-Aço. E agora passo a detalhar um pouco mais os motivos que me fizeram dar apenas duas pipocas para o filme. (o restante do texto contém spoilers e é mais adequado apenas para quem já viu o filme).

Para começar, toda a sequência de Krypton parece fazer parte de um outro filme: temos lutas pelo poder e desafios a uma espécie de conselhos de anciãos, uma política de controle social através da natalidade-funcional-programada, dragões que parecem os bichos alados de Avatar, rebelião, etc. Tudo isso em uns 20 minutos até a viagem “instantânea” de Kal-El à Terra… poderia ser um filme à parte e talvez fosse um filme até melhor do que é o novo Homem-de-Aço. Sem falar da cena do nascimento de Kal-El que com a tomada aérea da reação dos animais kryptonianos remete a Rei Leão!

No filme, Kal-El possui um novo super-poder… o de apesar de não ter formação, contatos, indicação, etc. conseguir sucessivos empregos. E se é normal vê-lo atuando como garçom e marujo soa muito esquisito que ele tenha conseguido um emprego (ainda que como “carregador” ou sei-lá-o-quê) numa base-militar que acabou de fazer uma importante descoberta e que tem um rigoroso controle de acesso… se bem que “convidar” uma jornalista para “cobrir” a descoberta, antes de confirmar do que se trata, também é um grande absurdo! Tudo isso só para que Kal-El encontre a Fortaleza da Solidão e descubra sobre seu passado ao mesmo tempo em que cria um laço que o uma a Lois Lane para que o filme continue a se movimentar…

Pois é, mas é a partir daí que surgem mais problemas! Eu nunca engoli direito que Jor-El tivesse conseguido enviar sua consciência para a Terra (mesmo nos filmes originais e até em SmallVille). Mas aqui ele faz muito mais do que isso! Sua consciência continua a aprender, pois sabe não só o que passou até o envio de Kal-El à Terra, mas também de eventos que ocorreram após a destruição de Krypton, como quando ajuda Lois na nave de Zod… sendo invocado a partir de uma cela que, é claro, contém um dispositivo mediúnico que pode materializar consciências de pessoas mortas e que é acionado com a chavinha que Clark acabou de passar para Lois… como se isso já não fosse suficientemente irritante, Jor-El vem dotado de dons premonitórios antecipando os passos dos inimigos e é capaz de interagir com o ambiente, abrindo e fechando portas, etc. Para fechar esse tópico – absurdos não faltam – a tal nave que é a nova versão da caverna da solidão foi enviada à Terra muito antes da destruição de Krypton (Lois diz 18.000 anos, vai saber como chegou a essa previsão) mas com ela veio o uniforme do Super-Homem, com o símbolo da esperança referente à casa de El… logo, a múmia que Clark vê deve ser um seu tatataravô… ou melhor, nada faz sentido e esse é apenas mais um furo do roteiro!

Os tais dons premonitórios de Jor-El também abençoam Lois Lane, que é capaz de bolar um plano para destruir os inimigos que dependia do próprio plano dos inimigos… que ainda não havia sido revelado!

Outro ponto irritante é a necessidade de ilustrar os seres-humanos em atitudes que exijam heroísmo… e assim temos que acompanhar o editor-chefe do Planeta Diário (Fishburne) salvando uma de suas colegas de trabalho, além de diversos membros do exército e do governo e a própria Lois atuando em momentos decisivos, seja peitando uma alienígena em nome da vida de cada um dos humanos, seja introduzindo aquela “chave da esperança” que Jor-El enviou e que se encaixa em qualquer dispositivo Kryptoniano, com efeitos diversos, de acordo com a necessidade do roteiro!

O filme apresenta um arco da aceitação de Kal-El ao seu papel na Terra. Abre com o seu nascimento e termina com um humano dizendo “Seja bem-vindo ao Planeta”. O filme poderia até se chamar “Clark Kent – A Origem”, pois ao que tudo indica agora sim ele está à vontade em como viver seu disfarce e, ao mesmo tempo, manter seu alter-ego heróico e defensor da paz e da liberdade. E se Bryan Singer tentou fazer um filme em que o Super-Homem deixava de ser um herói americano para ser um herói mais mundializado, aqui há um passo atrás. “Ei, eu cresci ali no Kansas!”.

Um outro defeito é a substituição da kryptonita pela “atmosfera kryptoniana”. Seis por meia-dúzia, ou seja, uma bobagem. Principalmente pela explicação dos poderes do herói se darem devido à natureza mais jovem do sol terrestre. E isso não deveria ser modificado pela tal “terramorfação”… por falar nisso, como assim já existia um termo técnico para isso? Com qual motivo? Já haviam registros anteriores de terramorfações em algum lugar?

Outro ponto pouco verossímil, a Terra vivendo um apocalipse alienígena e as pessoas todas trabalhando na redação do jornal e só evacuando o prédio quando o chefe indica. Haja obediência. E por ai vai, o roteiro abusa de diálogos expositivos, preocupado em fazer a sua trama frouxa e simplista ser entendida, num projeto claramente sem ambição e que faz pensar no que houve com o Nolan que foi capaz de conceber Dark Knight… Um desperdício de talento… uma Super-Decepção!

Publicado originalmente aqui.

0 Seja o primeiro a curtir esse farelo

Esfarelado