O que não é real…

Quanto podemos nos deixar afetar por aquilo que não é real. E digo real em oposição ao que é virtual, ao que pode até existir no mundo conceitual, das ideias, mas não ganhou ainda o status de concreto, palpável, certo. Na categoria de virtual, apenas para deixar claro do que falo, posso listar itens que geralmente são classificados como possibilidades, anseios, planos, idealizações, vontades, projetos. Tudo o que reside apenas no campo do possível. Sementes mesmo que já plantadas, ainda não germinadas. Planos devidamente arquitetados mas que ainda não foram iniciados. Virtualidades, tudo aquilo que não é real.

Neste contexto, o quão chocante um acontecimento passado com alguém que, na verdade, desconhecemos é capaz de nos afetar? Veja bem, uma pessoa que desconhecemos. Ainda que o nome possa dizer alguma coisa. Ainda que a própria imagem possa nos trazer uma memória inquieta de alguém. Ainda assim, não é alguém que conheço. Mas me importo. Mas me interesso.

Fiquei impressionado ao notar que é tão difícil gostar de alguém. Assim como também é difícil nos conectarmos o suficiente para sermos gostados. Há um enorme esforço envolvido em ambos os sentidos. Lembra-me um pouco o papel das enzimas catalisando reações químicas, que descrevi brevemente em capítulo introdutório de minha tese. Não basta as condições estarem todas favoráveis e todos os elementos químicos necessários estarem presentes. Para que haja química, para que as coisas se transformem, é preciso um agente catalisador, algum elemento não diretamente envolvido na transformação, mas que torna tudo possível. No caso de pessoas, pode ser o acaso, pode ser o descaso. No caso de planos, pode ser a firmeza, pode ser o desinteresse. Há um bloqueio para que se volte a gostar de alguém, é natural depois de tudo que passamos. Cada um em seu universo, em seu mundo, mas conectados pela dor e pela desilusão.

Este texto não é real. É mais um pensamento do que um farelo. Uma esfinge que desvanece antes que a pergunta feita tenha sido respondida. Um trapaceiro que se vai antes de pegar a carteira que derrubou ao chão. Um animal que se deita antes de fazer a sua última refeição. Uma médica que recusa-se a indicar a si mesma o tratamento necessário para voltar a sorrir. Será ela uma psicóloga ou uma esteta?

Caio constantemente nas armadilhas das expectativas, tais quais descritas em post anterior. Tento evitá-las, mas elas são ardilosas. E junto com elas, vem a decepção e o curioso é notar o quão distante do núcleo o efeito causador pode estar e, ainda assim, seus efeitos serão sentidos. Uma simples foto que muda e pronto, todo um novo entendimento de algo que, no fundo, eu sempre soube. Às vezes, imaginava outros cenários, em que não haveriam tantas diferenças, em que temeríamos o mesmo Deus – ou nenhum deles, mas juntos. Em que teríamos a mesma pobreza compartilhando hotéis baratos e sanduíches – ou a mesma riqueza em resorts luxuosos, mas juntos. Em que teríamos a mesma feiura bonita que nos faz nos reconhecermos um no outro ao invés de sempre despertamos olhares de inveja, mas sempre juntos.

Vivo um mundo de variadas possibilidades, mas isso me engasga. Mil escolhas são piores do que um pequeno punhado. O que significa sentir saudade? Será algo real ou virtual? O que pode significar sentir falta de algo que nunca se teve? Devo acreditar? Devo fazer mil e um planos? É virtual ou é real? É com “A” maiúsculo que devo escrever? O fato de não ser real significa que é menos importante? Dúvidas que só o tempo poderá me ajudar a tirar.

“…Temos que compreender que cada ser está em um grau de evolução , portanto não posso pedir 2 para quem só tem 1…”, disse-me você certa vez. Concordo em termos. Talvez possamos pedir 2 mas nos contentarmos com o 1… reconhecermos o limite mas ainda assim, respeitosamente, instigar. Buscar um algo mais, forçar os limites, empurrar, apoiar, pressionar. Mas, talvez o principal, não podemos pedir 2 se só precisamos de 1. E isso vale até mesmo para quem pode dar mil.

“…Relacionamentos humanos estão cada dia mais complexos. Agradecem-me pela educação, que no fundo nunca deveria ter deixado de sido apenas nossa obrigação”, disse-me você certa vez. Aqui eu concordo integralmente. A impressão que tenho é que ao mesmo tempo em que o desenvolvimento financeiro é notório, em que o mundo se torna mais e mais global e voltado ao capital, a humanidade vai em contramão, egoísta, ensimesmada, sem ética e nem valores. A impressão que se tem é que diante de uma boa oportunidade e com uma certa certeza de impunidade, os seres humanos são capazes de qualquer coisa. Neste cenário, não há espaço para sermos educados. Principalmente se não há vantagem direta percebida. “Ser educado com a pessoa que faz a limpeza do escritório onde trabalho todos os dias? Para que perder meu tempo?”, parece ser o pensamento de muitos. Essa seria uma boa oportunidade de aplicar um egoísmo positivo, preocupar-se apenas em ser melhor ao invés de preocupar-se em se dar melhor.

“As pessoas estão tão acostumadas a ouvir mentiras, que sinceridade demais choca e faz com que você pareça arrogante”, disse-me virtualmente você. É verdade, há pessoas que se dizem sinceras sendo isso uma mentira. E há pessoas que sinceramente dizem que mentem. Faço parte da segunda classe. Sei que minto. Mas sei que a sinceridade pode ser remédio amargo e que, ainda assim, precisa ser ministrado. Preocupar-se menos com o que pensarão ou com as consequencias de dizer a verdade pode ser um primeiro passo. Mas ainda é virtual, um plano, uma idealização.

Não sei se você se reconhecerá aqui caso venha a ler esse texto. Mas foram suas frases e a nossa relação, essa relação que nunca foi real, que me inspiraram a escrever esse texto. Um texto que fica desconectado, ideias soltas, sem plano, sem projeto, ao sabor de lembranças. Essa semana que passou estive longe de casa e, portanto, longe de mim. Três coisas me afetaram muito nesta semana. Posso usar pequenas frases bastante sinceras para descrever cada uma delas e assim concluir esse farelo. A primeira: ainda não estou pronto. A segunda: você é muito especial, pena que não seja recíproco. A terceira: obrigado por estar presente, ainda que apenas virtualmente.

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