Quantas vidas a gente tem?

É claro que temos apenas uma vida. A vida real, essa com a qual somos confiados, é única. Não estamos em um videogame no qual podemos começar tudo de novo quando as coisas dão errado. Não podemos pausar tudo nos momentos mais complicados e ganhar um tempo para refletir e respirar. Temos sempre de viver e somos chamados a isso a todo instante, sem tréguas, sem intervalos. E uma única vez. (?)

Mas esse texto não é sobre isso, não estou interessado em comparar nossas vidas com as “vidas” virtuais e sem valor dos nossos avatares em jogos de computador. A pergunta que dá título a esses farelos de pensamento foi motivada pelas vidas que criamos dentro de nossa própria vida. De nossas multifacetadas experiências, das divisões que fazemos ora para tentarmos dar sentido ao caos, ora para tentarmos fugir da realidade. A ideia aqui é pensar um pouco em como essa noção de que a vida é única enquanto pensada em confrontação com a morte pode ser diferentemente vista quando pensada em como a vivemos até que a morte chegue.

Recentemente um amigo, durante um bate-papo, me disse: “Mas essa não é a sua vida real… a sua vida real é aquela lá”. Quem não conhece o caso de pessoas que passam tanto tempo na internet, com amizades e contatos virtuais, que é natural que haja preocupação por parte de seus próximos, já que ela não está vivendo a “vida real”. Ou ainda como outro dia, quando ouvi uma justificativa para mudanças drásticas de atitude também baseadas em argumentos semelhantes, de que haviam duas vidas paralelas e que, enquanto uma delas era vivida, era como se a outra deixasse de existir. Quase um caso de múltipla personalidade, algo que até no meio psicanalítico é debatido e não plenamente aceito como uma doença real. Mas fica então a verdadeira pergunta que motivou o texto… afinal, quantas vidas a gente tem?

Novamente, o tema está além do que eu consigo discutir, mas o propósito nunca é o de apresentar respostas. Aqui as perguntas valem mais. A minha resposta, porém, é que assim como a vida biológica, também a experiência de viver é uma só. Não há duas vidas. Não importa. Cada decisão que tomamos é viver. Cada escolha, cada renúncia. Passar horas no computador é tão vida quanto sair para a rua e interagir com as pessoas. Por mais que hajam realidades distintas e eventos em nossas vidas que possuem praticamente nenhuma interseção, somos um só ser a vivê-los. E temos consciência disso, por mais que por vezes seja mais conveniente negar.

A vida, essa vida única que vivemos, é feita de escolhas. O tempo é linear e nos empurra sempre para frente, inquieto, um passo adiante a cada segundo, incansável. Podemos escolher não viver? Não, pois isso já é uma escolha e mesmo a inércia, a imobilidade e a apatia serão apenas o efeito da vida que escolhemos para nós. Portanto, cabe a nós zelar por essa experiência maravilhosa que é viver e capricharmos para que nossas escolhas sejam sempre as melhores possíveis. Vamos errar? Certamente, é natural, mas o erro com intenção de acerto é melhor do que um acerto involuntário, sem reflexão, sem sentido, sem direção. A vida são escolhas e não fazê-las é viver uma vida no banco do passageiro. A estrada não tem um único destino, mas apenas quem está ao volante é quem escolhe os caminhos.

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