Sobre expectativas

Sempre fazemos projeções, sempre criamos expectativas. O gozado é que fazemos isso mesmo sabendo do potencial destrutivo que as tais expectativas possuem. É, geralmente, mais forte do que a gente. No que vislumbramos uma situação já imaginamos, em nosso íntimo, como gostariamos que ela se desenvolvesse, idealizamos o seu desenrolar, pensamos no arremate ideal. E, é claro, a realidade vem e coloca tudo abaixo.

Proponho um simples exercício de reflexão. Primeiro, vamos dividir nossas expectativas em duas classes. De um lado, ficam as expectativas que dependem, basicamente, de nós mesmos. De outro, as expectativas nas quais uma ou mais pessoas que não você mesmo estão envolvidos. Para dar  um exemplo de cada uma das categorias, digamos que eu tenho a expectativa de emagrecer e de terminar de escrever a minha tese, exemplos para a primeira categoria. Além disso,  eu tenho a expectativa de que não façam uma seqüência do filme “A Origem” (Inception), que as pessoas não achem que eu sou ou estou gordo e que gostem do resultado da minha tese.

Agora vamos pensar um pouco sobre esses exemplos ao mesmo tempo básicos e idiotas, mas que servirão para ilustrar o meu ponto. Apesar de todos os dias eu ver que a barriga está cada vez mais saliente e de, enquanto eu devoro uma baguete no café da manhã, eu pensar que devo rever meus hábitos alimentares eu não tenho força de vontade, disciplina e, talvez, vaidade suficientes para me fazer de fato agir no sentido de atingir minha expectativa. Dependo de alguém mais para isso? Não. Mas essas minhas característias, tão minhas, fazem com que essa expectativa não passe, na crueza dos números, de um sonho. É muito mais provável que ao invés de perder peso eu venha a ganhá-los e isso, certamente, me tornará frustrado. Será que esse exemplo não pode ser travestido em milhões de outros que afetam tanta gente e fazem a vida delas miserável e infeliz? OK, é uma expectativa cujo fracasso está, talvez, ligado à falta de auto-conhecimento. Não poderia me cobrar e ter expectativas quanto a coisas que, provavelmente, não cumprirei. Mas, no contraponto à outra categoria, as pessoas com as quais convivo podem, sem qualquer conhecimento das minhas expectativas, tecer comentários que me levem a pensar que elas me julgam gordo ou acima do peso. Isso não depende de mim e pode acontecer. Por mais que eu espere não ser julgado por características físicas, a sociedade não precisa seguir a mesma linha. E sabemos, infelizmente, que de fato não segue. E essa expectativa frustrada de não ser julgado – que independe de mim – alimentará a outra expectativa, de conseguir me adequar, reduzir minhas medidas e ser mais “aceito”. Dá para notar o perigo escondido nas expectativas?

Outro ponto interessante é quando notamos expectativas dirigidas a nós. Quem nunca passou por essa situação de se ver, implicita ou explicitamente, sendo cobrado por, basicamente, frustrar as expectativas de outra pessoa. E quem diabos deu o direito de nos cobrarem que cumpramos tais expectativas? Bem, no fundo, em geral somos nós mesmos quem damos esse direito, ao fazermos promessas que não poderemos cumprir, ao plantar essas expectativas baseadas em pequenos gestos ou palavras, casuais, mas que são assimilados como comportamentos que serão permanentes. Os produtores de Hollywood não fazem ideia de que, para mim, Inception é um bom filme e cujo enredo fica perfeito ao deixar o final em aberto que, simplesmente, não cabe uma continuação. Se optarem por fazerem uma seqüência, talvez movidos por uma legítima decisão comercial ou talvez por um novo conceito artisticamente relevante, não fazem ideia de que vão frustrar minhas expectativas. E não importa, no fundo eu é que não deveria criar expectativas sobre coisas que não controlo, que não são relevantes, que não interferem diretamente na minha vida. Na verdade, não deveria criá-las mesmo para coisas que julgo controlar, que julgo serem relevantes ou que interferem em minha vida.

Expectativas nunca serão cumpridas, pois vivem no mundo ideal, habitam Utopia. Evitá-las é o melhor caminho mas, ironicamente, não passa de uma outra expectativa não cumprida.

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