Desconexo
O hábito é uma grande ferramenta de aprendizado. A repetição forçada, o estudo detalhado das pequenas diferenças entre uma e outra execução, o aperfeiçoamento que dai decorre. Esse blog, por exemplo, ganharia muito mais interesse para mim se eu conseguisse escrever com uma frequência regular. Esfarelar-me a cada semana, por exemplo. A repetição e o hábito ajudariam a aperfeiçoar os meus pensamentos a encontrar as palavras certas para expressá-los.
No contraponto do hábito e da repetição temos as surpresas e o inesperado. Esse blog, por exemplo, ganharia muito mais interesse se eu pudesse aqui descrever ideias interessantes, assuntos palpitantes. A novidade e a relevância ajudariam a aperfeiçoar os meus pensamentos a encontrar as palavras certas para expressá-los, mas ai não depende tanto de mim. Ou depende?
Esse texto será desconexo de propósito. Muitas coisas a dizer, fica difícil encontrar uma estrutura ou um tema coerentes. Resta apenas registrar imprecisamente ideias soltas. Conectadas tal e qual se fizerem.
Um desses temas soltos que vem me inquietando é o excesso de conectividade e o quanto isso influencia em minha (só minha?) zumbificação. Considero-me, ultimamente, um zumbi, praticamente sem pensamento e nem vontade próprios. Sigo vivendo, é certo, mas o rumo não está sendo ditado conscientemente mas, sim, em uma voluptuosa inércia. Ao mesmo tempo, parece ter muito acontecendo mas, quando paramos para olhar, não há sequer movimento. Eu culpo, em parte, o excesso de conectividade a que, voluntaria e bovinamente, sujeito-me. Facebook, twitter, blogs, celulares, sites de notícias. Vivo inundado de informação, busco respostas para perguntas sem nenhuma relevância e faço isso o tempo todo. Não há mais espaço para nada, é sufocante. E, ao mesmo tempo, um vício. Quantas vezes me vi dizendo: “Hoje vou entrar no Facebook apenas depois de ter feito isso ou aquilo” e não cumprir. É um tanto de vaidade, é claro. Mantenho um blog sobre meus interesses culturais e ainda escrevo por aqui, uso o Facebook para tentar divulgar. Por que? Pois é legal mostrar as coisas que gosto aos amigos e conhecidos e, ainda mais legal, quando podemos discutir em cima disso. Mas a causa não é tão importante quanto o efeito que isso traz. Como ter boas ideias se estamos o tempo todo sujeitos a ideias não tão boas, obviedades, textos prontos, frases freitas, repetidos, repetidos, repetidos. Preciso de fôlego e, encontrando ar novo, estou certo de que esse blog tem a ganhar. Assim como a minha vida, meus objetivos, meus sonhos. Que se dane o blog…
Por outro lado, o excesso de conectividade faz com que novas relações humanas sejam possíveis. (Re)aproximei-me de pessoas queridas que estão mais ou menos distantes fisicamente, fortaleci contatos reais breves através de contatos virtuais mais frequentes ou ainda, mais estranho, criei contatos novos a partir do zero de maneira 100% virtual, sem nenhum contato real. Mas o segundo assunto desconexo deste texto é justamente o significado de uma “relação humana real”? Uma amizade precisa de contato físico? Se posso importar-me sinceramente até por um personagem de ficção e ficar super frustrado por ele/ela fazerem isso/aquilo, o que me impede de construir uma amizade real com um avatar? Nada, o mundo mudou e hoje as interações são mais efêmeras, menos intensas. Ganhamos em amplitude e perdemos em profundidade. Será isso uma pena?
Eu sou um apreciador do que chamo de “conhecimento aprofundado”. Vem da minha nerdice, é certo. Você me mostra uma música de um artista, eu gosto e quero ouvir tudo, do primeiro ao último álbum, esmiuçando em detalhes toda a trajetória artística do(s) indivíduo(s). Deve ter cura. Mas enquanto ela não vem, digo que isso também é válido para as amizades. E elas podem ser à moda antiga ou modernosa, amigos de vários anos ou um recém conhecido com quem troco mensagens via WhatsApp. Na verdade, isso é uma meia verdade. Em geral eu era menos interessado em gente do que sou agora. Sinto-me, atualmente, querendo entender a diversidade humana, descobri uma curiosidade que antes inexistia e sei de onde isso vem. Tudo mudou para mim quando, creio, descobri um pouco melhor o que significa estar vivo, ser um ser humano e ter o direito a uma existência aqui na Terra.
A próxima desconexão caminha junto a anterior. Noto, cada vez mais, o quanto desperdiçamos tempo e energia. Chamo de desperdício e incluo-me nele ao conjugar o verbo na 2a pessoa. Não é desperdício viver “longos” 35 anos apenas preparando-se para poder passar mais 35 anos trabalhando e então aguardar a morte? Rompi com isso! Basta! Somos, talvez, a única espécie animal consciente neste planeta. Evoluímos nossa sociedade em uma série de regras e hoje o que eu noto são mais e mais pessoas-robô, vivendo vidas vazias, iguais e repetitivas. Nascem, recebem todo o carinho e atenção possível dos pais (se forem sortudos), estudam, escolhem uma profissão, estudam mais, formam-se, iniciam suas carreiras profissionais. Em geral, neste trajeto encontram um parceiro ideal e compartilham a vida com essa pessoa. Trabalham e trabalham. Compram, investem, procriam, repetem ciclos. A máquina falha ou o universo se cansa de você, morre-se. Sem detalhes e com um pouco mais de opções neste fluxo, pode-se descrever a vida da grande maioria das pessoas na Terra (ao menos dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento do mundo ocidental). Sabe o que falta nesta rotina? Questionamentos, posicionamento individual, pensamento único. Cada pessoa é um ser vivo particular, não há porque haver essa homogenização, essa padronização! Não faz sentido pensarmos igual ou aceitarmos todas as regras impostas e seguirmos a vida. Encontrar seu espaço, suas vontades, suas ideias é essencial. Não prego revoluções coletivas, ainda que elas sejam bem-vindas de tempos em tempos para impulsionar-nos, mas revoluções pessoais, cada um cuidando apenas do que é seu, de seus desejos, seus anseios, seus sonhos e que, ao final, ao falhar da máquina, estejam felizes com cada parafuso frouxo.
Outro assunto para incluir neste farelo desconectado e sem nexo são meus defeitos. Sei que é impossível não tê-los, conheço alguns deles mas sei que, na verdade, desconheço ou não identifico em mim a maioria dos que porto. Sou vaidoso quanto a assuntos intelectuais, quero parecer inteligente. Preocupo-me excessivamente com a opinião dos outros sobre mim. Não gosto de confrontações diretas e, por vezes, engulo sapos em situações em que deveria me impor mais. Minha calma e tranquilidade podem desaparecer completamente e posso até ter acessos de violência em situações de estresse. Tudo isso são coisas das quais não me orgulho e que tenho procurado trabalhar em mim. Assumi-las como verdade é um primeiro passo mas, obviamente, não é suficiente. O passo seguinte é monitorar, entender e reagir. Tenho que ser mais forte do que meus instintos. É horrível quanto conseguimos prever uma ação negativa que alguém fará em alguma situação e, quando acontece, pensamos “eu sabia, fulano iria reagir assim, ele É assim”. Julgamos os outros severamente e, ainda que estejamos certos, isso só mostra que conseguimos identificar um defeito, uma atitude ruim. Por que não somos tão severos assim conosco? Procuramos sempre justificar nossos erros com desculpas como “ah, mas se eu fizesse diferente seria até pior” ou “eu não faço isso em geral, essa situação especificamente é que precisou de uma ação mais drástica”. Mentira! Tenho que procurar me policiar para que eu sempre faça o que acredito ser o melhor e que não haja (ou hajam poucas) exceção para essa regra.
Para encerrar, um pequeno comentário sobre dar e receber atenção. Ambos podem ser enormes fontes de prazer. Mas estamos no controle de apenas uma dessas duas ações. A pergunta que me faço é “qual a melhor atitude a se tomar quando damos atenção mas não recebemos de volta?”. A resposta óbvia talvez seja “parar de dar”, visto que é justificável que uma vez que não exista retorno, essa indiferença demonstre que não há interesse. Mas, neste caso, isso parece uma confissão de que o dar era intencionado por um receber. Eu acho que talvez a melhor ação é continuar dando, cada vez mais e de maneira cada vez mais sincera. Livrar-se do que o outro pensa sobre nós talvez não seja suficiente, talvez o ideal seja também livrar-nos do que o outro faz por nós. Talvez apenas assim sejamos os verdadeiros donos de nossa própria felicidade.
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