Interestelar

Interestelar

Olha quem está de volta. Não, eu não estou falando apenas do diretor Christopher Nolan e de Interestelar, seu primeiro filme após a conclusão da trilogia do Cavaleiro das Trevas, mas também da coluna de cinema do Esfarelado, o Cine 42, que está de volta e para ficar. Para quem nunca leu, tem várias resenhas de filmes já publicadas (clique no link da coluna para acessá-los) e também de trailers, no spin-off Cine 42 Preview.

Interestelar (Interestellar, 2014) é uma ficção científica cheia de desafios narrativos ao utilizar – e ter que explicar ao espectador – conceitos da Física como buraco-de-minhoca (wormhole), buracos negros, multidimensões e a Teoria da Relatividade.

Matthew McConaughey interpreta Cooper, um ex-engenheiro e ex-piloto que agora ocupa-se dos dois filhos e de sua fazenda com grandes plantações de milho, um dos poucos alimentos que ainda são produzidos em uma Terra desolada, poeirenta e aproximando-se de um apocalipse estéril.

Após alguns estranhos acontecimentos, Cooper e sua filha Murph (Jessica Chastain, na versão adulta) são levados à Nasa, onde ele encontra o astrofísico Prof. Brand (Michael Caine) e sua filha (Anne Hathaway),  que comandam uma missão para encontrar um outro planeta habitável por seres humanos. O Plano A, que motiva Cooper, é salvar os sobreviventes humanos, incluindo seus filhos, levando-os para o tal planeta. O Plano B é levar material genético suficiente para iniciar uma nova civilização no destino. O que separa um caminho do outro é a resolução, por parte do brilhante Brant, de um complicado sistemas de equações e modelos matemáticos que precisam de mais dados, algo que a própria expedição também poderia prover.

A partir daí o filme se lança na exploração do espaço e na busca pela nova Terra, e é aí que os tais conceitos físicos se apresentam. O primeiro deles é a presença de um buraco-de-minhoca, próximo de Saturno, que conecta a nossa galáxia a uma outra, muito, muito distante. Uma primeira expedição habitada já havia sido lançada e alcançara três planetas com potencial de receber a humanidade. A missão de Cooper e sua equipe consiste em, basicamente, visitar esses três planetas e validar qual o melhor candidato. Dentre estes, o candidato mais promissor é aquele no qual está o Dr. Mann (Matt Damon).

O filme investe ainda em questões emocionais para envolver o público, captando nossa atenção para duas grandes questões envolvendo o amor de Cooper pelos seus filhos: será que Murph vai perdoá-lo por tê-la abandonado e partido em missão? E será que ele vai conseguir voltar à Terra em tempo de ver seus filhos ainda vivos?

Em Interestelar há boas soluções visuais para o buraco-de-minhoca e o mundo de “outra dimensão” no qual um dos personagens se encontra em determinado momento. Mas o elemento melhor explorado não é visual. A teoria da relatividade (a ideia de que o tempo pode passar de forma diferente para corpos expostos a gravidades diferentes) confere um drama incrível à história. Ao decidirem, por exemplo, fazer uma pequena expedição de poucos minutos em um planeta no qual  alguns minutos correspondem a um ano na Terra, os personagens estão escolhendo deixar de viver com os seus um enorme período de sua existência. E é curioso como esse recurso é empregado em prol da história também ao permitir que a diferença de tempo seja usado, por exemplo, para que um outro personagem possa usufruir desse tempo “a mais” que ganhou em relação aos outros para preparar-se melhor para a sequencia da missão.

Não é a melhor película de Nolan, longe disso… mas isso se deve mais ao fato de ele ter grandes filmes no currículo (A Origem, O Cavaleiro das Trevas, Batman Begins, Amnésia, O Grande Truque) do que por tratar-se de um mau filme. Um tema ambicioso e que, no mínimo, tem o mérito de fazer o público, ao final, questionar-se e posicionar-se sobre o que presenciou. Bons atores, um roteiro instigante mas talvez com pouca dinâmica cinematográfica e efeitos especiais que funcionam relativamente bem nas partes mais confusas da narrativa já garantem o preço do ingresso. Aos que ainda não viram, recomendo! Aos que já viram, sigam lendo que entro em detalhes mais específicos.

Saiba mais sobre a ciência de Interestelar nesta matéria.

Os nomes dos personagens são explorados pelo roteiro. Murph(y) refere-se à conhecida Lei que diz que se algo pode acontecer então irá acontecer. E o filme explica o conceito e faz uso dele, com suas coincidências absurdas e que movem a trama. E o que esperar de um personagem chamado Mann (Homemm)? É claro que uma personificação do egoísmo movido por uma luta irracional pela sobrevivência e por relevância. Posso estar viajando aqui, mas acredito que Cooper venha de “cooperation”, cooperação, que é o que move o personagem durante todo o decorrer de Interstellar.

Tentando avaliar o que se passa no desfecho do filme, Cooper entra naquela dimensão atemporal em que o espaço restringe-se ao quarto de sua filha. Porque? Porque era possível (lei de Murphy ou gerador de improbabilidades infinitas, não importa). Mas, talvez, a explicação também esteja no diálogo com Mann, em que este diz que quando um pai está prestes a morrer, é a face dos filhos que se vê. É para lá que vai a sua conexão. E ao ejetar-se da nave dentro de um buraco negro circular Cooper está saltando para a morte.

OK, o fato é que ele foi parar em uma dimensão em que todos os momentos “vividos” naquele ponto do espaço (o quarto de Murph) coexistem. E é a partir dali que ele envia códigos através da interação com aquele ambiente via gravidade, ele encontra tempo para ser o fantasma de sua filha, algo que à época em que viveu aqueles fatos não dispunha. Ali os Nolan explicam como as coordenadas da Nasa puderam ser enviadas a uma garota e seu pai através de livros derrubados no chão!

Toda essa orquestração para salvar a espécie humana, que gira em torno inclusive da disponibilização de um buraco-de-minhoca na vizinha de Saturno é obra, veja só, da própria humanidade que escapou da destruição, em um argumento cíclico tão maluco quanto uma boa ficção científica com “viagem no tempo” exige. E só o prazer de ficar conjecturando e confabulando sobre tais absurdos e inconsistências já diverte.

O reencontro de Cooper com sua idosa filha não teve em mim o mesmo impacto emocional de vê-lo vendo as mensagens dos filhos, separados por anos-luz e anos de vida de distâncias. Aquele distanciamento inalcançável e a impotência da situação foram avassaladores, enquanto o encontro final e a resolução de mandá-lo buscar a Dra. Brant (sem nenhuma justifica plausível para isso a não ser a de dar a ideia de um casal, algo que nada tem a ver com o que vimos até ali) são fracos, contribuindo para um leve gosto amargo ao final da narrativa. Creio que com todos os elementos colocados, o final poderia ter sido amarrado de maneira mais satisfatória, nem que fosse com um singelo abraço entre pai e filha.

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