Sobre pais e filhos

Sobre pais e filhos

Eu não sou pai. Mas, como todos que me leem, sou filho. E é como filho e – espero – futuro pai que projeto o 171 de hoje. Vejo, nos pais brasileiros de hoje, uma tendência a deixar seus filhos serem os donos do pedaço. São eles quem ditam as regras, quem impõem a rotina da casa. É em torno deles que tudo se arranja, de forma que o sofrimento deles seja mínimo, que tudo funcione o mais próximo possível da perfeição e que, de maneira alguma, eles se sintam frustrados ou decepcionados. Os filhos são reis e os pais seus súditos. Exagero um pouco, mas sinto que o que digo não deixa de ter uma pitada de verdade em quase todos os jovens pais que formaram suas famílias a partir dos anos 90 – a minha geração.

Eu não sou psicólogo. Mas, como quase todos que me leem, adoro atentar-me e ter opinião sobre os problemas alheios. Não tenho como explicar os possíveis porquês de as novas famílias assim serem e, menos ainda, quais os efeitos maléficos ou benéficos que essa nova forma de se criar os filhos possa vir a ter sobre eles. Já ouvi teorias de boteco sobre como os pais querem oferecer tudo aquilo que não tiveram e como a geração Y não sabe ouvir não e quer tudo de mão beijada justamente por conta disso. Teorias de boteco, não mais. Acho que cada caso é um caso e que o simplismo não ajuda.

Porém, e sempre há um porém, há pontos que me intrigam. Eu falei acima, explicitamente, sobre os pais brasileiros. Não é à toa. Em visita recente a um casal alemão, com dois filhos pequenos em casa, notei o quanto eles definiram uma rotina para os seus filhos e a aplicam com um rigor alemão. E os filhos – um de dois anos e outra de alguns meses – estão na cama sempre antes das 20h. O irmão mais velho já é capaz de só se levantar no dia seguinte enquanto a irmã, ainda em fase de amamentação, acorda apenas para comer. E o casal ainda dispõe de ao menos umas duas horas para si. Dias depois, visitando um casal francês, com dois filhos pequenos, a mesma cena se repete. Estava brincando animadamente com o filho mais velho (4 anos) até que seu pai diz: hora de ir para a cama, despeça-se do tio e vamos lá. E se foram e só o pai voltou, instantes depois.

Corta a cena e voltemos ao Brasil. A nossa rotina de trabalho é intensa, o trânsito nas grandes cidades não colabora e é comum, na nossa realidade, os pais chegando do trabalho já depois das 20h… e até das 21h. Como seria a relação desses pais com seus filhos, caso eles já estejam dormindo? Na prática, aqui, são os filhos quem não deixam os pais dormir tão cedo quanto gostariam. Desde crianças de poucos anos até os pré-adolescentes, tenho vários exemplos próximos de atividades pós-meia-noite, muitas vezes com os pais já adormecidos para suportarem a rotina do dia seguinte. Eu, como pai, tentarei fazer o máximo para que meus filhos durmam o recomendado para seu pleno desenvolvimento. Rotina é muito importante e sono também.

Os nossos filhos são intocáveis também quando passam a ir à escola. Queremos proporcionar a melhor educação – e para muitos isso é medido pelo valor de uma mensalidade. Soma-se a isso cursos de línguas, reforço de matemática e aulas de música. Sem falar nos esportes. Com direito, em muitos casos, a motorista particular que abandona compromissos para poder estar presente para levar seu filho, são e salvo, de um evento a outro. Acho ótimo estimular a criança e dar espaço para que o seu potencial seja desenvolvido. Mas, em muitos casos, isso é feito à revelia dos interesses da própria criança, que sequer é ouvida sobre querer ou não fazer essas atividades. E se Billy Elliott pudesse escolher, não teria ele feito balé ou dança desde sempre? O curioso aqui, voltando para o espaço de donos que cabe aos filhos, é esse casulo protecionista ao qual são submetidos. São donos do tempo e do dinheiro de seus pais. É claro que eu quero que meus filhos tenham uma ótima educação e tenham acesso a todas as atividades que possam desenvolvê-los e prepara-los. Mas vejo um excesso nos casos próximos que acompanho. E, imagino, isso se deve um pouco também à competitividade entre os pais. Se o filho de A está fazendo francês na escola X, então meu filho também tem que fazer, não pode ficar para trás. E essa escalada beneficia a quem? Bom, no mínimo à escola X e, possivelmente, aos filhos e aos pais. Mas isso é saudável? Temos que preencher todo o tempo livre? Temos que padronizar conhecimentos? Não deveria haver mais espaço para ser você mesmo, para descobrir seus próprios interesses, para ter tempo livre para… brincar com seus vizinhos?

“Ele não come cebola, por isso eu tenho que ralar, moer e depois coar até que não dê nem para sentir o cheiro… ai eu misturo na comida dele”. Já ouvi frases desse tipo de diversas mães e sempre me perguntava se isso era mesmo necessário. Sei que, quando criança, torcia o nariz para vários ingredientes que hoje aprecio. Sei também que uma boa alimentação, completa nutricionalmente, é bastante relevante. Mas em nosso mundo “gourmet”, “orgânico”, “sem gluten” e demais frescuras (salvo os casos de doenças) há um exagero também aí. Deixe comerem um pouco errado. Negociem para que cada batata transforme-se em uma cenoura ralada. Cada bife seja acebolado. Cada copo de refrigerante seja acompanhado de uma rodela de tomate. É divertido, instrutivo e dá menos trabalho do que coar cebola.

Eu só quero ser mais como nossos pais.

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