Não tem contrato…
Um pedaço de papel no qual escrevemos como as coisas devem ser, deixamos claro como a relação entre as partes deve ser regida, explicamos em detalhes o que fazer em casos de destrato, em casos de não pagamento para quando trata-se de relação comercial, bem como quaisquer outras situações em questão. Contratos estão ai para isso. Mas, mesmo quando ele existe, é tal qual um seguro, ninguém quer realmente fazer uso dele, pois quando isso é necessário, o sinistro já aconteceu.
Eu tenho contrato com o banco, com operadores de TV e telefonia, temos contratos com os governos e suas leis, o que de certa forma também impõe contratos com os outros, com que dividimos os espaços públicos. Eu tenho um contrato social e profissional, tenho sócios com os quais devo manter respeito e cumprir minhas responsabilidades. Eu tenho que respeitar também as leis do condomínio onde moro, há também aqui um contrato.
Pois bem, contratos estão em todas as partes e são muito mais presentes em nossas vidas do que talvez a gente gostaria. Afinal, eles estão ai para disciplinar o que confiança e bom senso talvez já fossem capazes de resolver, em um mundo utópico e ideal… mas como os contratos não são onipresentes e boa parte de nossas relações não tem um contrato para indicar o que é aceitável e o que não é, em especial as que mais importam, as relações de amizade e as familiares, esta utopia tem que se aproximar da nossa realidade, para que sejamos felizes e tenhamos relações saudáveis.
Vamos tratar de alguns exemplos para fins de ilustração do pensamento.
Duas amigas de longa data, digamos Carol e Katia, decidem trabalhar juntas em um empreendimento, mas não discutem antes de começar exatamente como iria funcionar esta sociedade, o papel exato de cada uma, as regras do jogo. Não há contrato, trata-se de um negócio ainda em fase de testes, informal. Não passa muito, surgem desentendimentos de lado a lado. Até que há a ruptura, pois não se entendem mais. Note a falta que um contrato faz, já que depois não houve bom senso e compreensão, faltou zelo e carinho. Criaram algo que era para ser bom mas que gerou apenas desgaste na relação entre as duas.
Outra situação, imagine que toda sexta-feira essas mesmas amigas tivessem o hábito de ir jantar na casa uma da outra. Alternavam, uma semana na casa de uma, a outra semana na casa da outra. Preparavam pratos deliciosos e adoravam surpreender a amiga com uma receita nova. Em um determinado momento, Carol vira para Katia e diz: “olha, não posso mais te receber nas sextas a noite pois agora vou passar a fazer a mesma coisa com a fulana”. Imagine ainda que, antes de começarem esta agradável rotina gastronômica, a amiga substituída tivesse um programa de sexta a noite que decidiu abrir mão para poder começar a dedicar o período a Carol. Neste cenário hipotético, Katia foi trocada por outra pessoa, não teve a alternativa de escolher outro dia para manter a rotina com a amiga e nem sequer entendeu porque a outra desdenhou da sua companhia… será que a fulana cozinhava tão melhor assim, será que morava mais perto? Katia, naturalmente, tende a achar isso injusto, afinal ela tinha inclusive aberto mão de algo para ter as sextas dedicadas à amiga. Mas não havia contrato… talvez apenas um contrato verbal. De novo, faltou bom senso, faltou compreensão, faltou empatia, faltou zelo, faltou carinho.
São tantos e tantos os possíveis casos que poderiam ser listados, em que não há contratos e ainda assim temos que agir segundo regras. O que muda, nestes casos, é que cada um segue as suas próprias regras e elas, em geral, não são as mesmas dos outros e não custa muito para que rancores e tristezas floresçam. Seria ótimo termos um contrato geral, assinado por todos, com um artigo único que dissesse: “O outro vale tanto quanto eu, eu quero o bem dele assim como quero o meu”.
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