O que esperam de você?

O que esperam de você?

Convido quem estiver lendo esse texto a, antes de sequer começar, olhar para a foto que o ilustra. Eu mesmo a tirei, durante viagem de Lyon para Milão, de trem. Estava na estação ferroviária de Chambery, entrei no banheiro e notei aquela mosca, que pode ser nitidamente percebida na foto. No meu caso, não foi de imeditado que percebi tratar-se de uma pintura na cerâmica. Como desculpa, posso dizer que urinar não é algo que exige de mim um momento de concentração muito particular… é coisa que faço mais de uma vez por dia, de forma automática e além disso estava preocupado com o horário do próximo trem. Porém, inevitavelmente reparei, em um dado momento, que estava inconscientemente dirigindo o jato de urina na direção da pobre mosca. Perspicaz como só eu, percebi ainda que a tal mosca não se movia, não ia embora… aceitava o seu asqueroso e repugnante destino, alvo de xixi!

Eu não sei dizer o quão comum são os alvos de xixi que porventura existem espalhados pelos banheiros do mundo. O que eu posso dizer, seguramente, é que aquela mosca pintada na cerâmica foi o primeiro que eu vi. E ela me levou a duas reflexões distintas. A primeira é a de que, possivelmente, o fato de haver um alvo deve melhorar o direcionamento dos usuários, isto é, o índice de xixi que cai fora do vaso deve ser menor em banheiros equipados com tão sensacional e sofisticado dispositivo de atuação subliminar. Se não for assim, não vejo sentido na existência desse produto diferenciado… e até imagino o vendedor abordando o responsável pela estação ferroviária, alegando que com o seu vaso exclusivo haverá economia com pessoal, pois será necessária uma equipe menor para fazer a limpeza dos banheiros, visto que agora os mijões possuem um alvo, xixi a jato teleguiado.

Contudo, foi exatamente esse exemplo do vendedor querendo convencer alguém a comprar o vaso com alvo que me levou à outra reflexão. Uma estação ferroviária é um órgão público, os vasos devem ter sido comprados via licitação e o tal alvo possivelmente estava na especificação. Se fosse uma licitação nacional e em ano de reforma geral dos banheiros das “gares”, poderia muito bem constar da chamada pública: “1000 vasos sanitários com alvo em forma de mosca”. Se fosse o caso, poderiam haver ai dois motivos, ambos rocambolescos e detestáveis. O primeiro deles seria uma licitação-fajuta, forjada para uma empresa específica, a única que fabrica os tais vasos-mosca, prazos apertados de um lado, lavagem de dinheiro ou vantagens econômicas do outro e pronto, tudo certo. A máfia do banheiro público. Corrupção tá por toda parte, rapaz, não dá para descartar, não dá para descartar. O segundo motivo é o que eu boto mais fé: manipulação.

Ora vejam, é público e notório que as empresas, sejam elas públicas ou privadas, grandes ou pequenas, estão ai para te manipular. Publicidade é a arte da manipulação, a geração de uma necessidade, o consumir para ser. O governo quer te manipular também, para poder se manter no poder. Se você acredita que está tudo bem ou ainda, como é comum por aqui, que vai ficar ainda pior se trocarmos de representante, então as coisas acabam continuando como estão, o que é conveniente para quem tem plano de poder – e não de governo. As empresas querem que você consuma e não se importam com saúde, ética ou o que seja. Lucro primeiro, conversa só depois e se der tempo. A mídia, nossa, essa então vive em função da manipulação, esse é o produto que ela vende para se posicionar no mercado. Empresas de opinião nem se fala, vendem uma pesquisa mas entregam o resultado que o pagante quiser ouvir, e ainda chancelam.

Nesse cenário em que as pessoas estão sujeitas a serem manipuladas por tudo e por todos – não preciso nem falar que colegas de trabalho, amigos e família são também eles exímios manipuladores – eis que até na hora de satisfazer minhas necessidades fisiológicas estão querendo direcionar para onde vou apontar meu pobre amiguinho. É o cúmulo. Aposto que devem filmar com microcâmeras o comportamento dos usuários desses banheiros e medir o percentual de pessoas que ficam lá acertando na mosca. Esse número deve indicar o quanto somos manipuláveis. No fundo, espero que seja verdade. Fiquei até curioso para saber uma outra estatística, qual o percentual de pessoas que tiram foto do vaso com a mosca?!

Publicado originalmente aqui.

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