O Segundo Caco de Vidro

MEU REFLEXO EM UM CACO DE VIDRO II

O tempo anda me incomodando cada vez mais. De acordo com o Chapeleiro Louco ele é uma pessoa assim como vocês e eu e temos que ser amigos dele para que ele colabore conosco. Como ainda não o conheço pessoalmente fico à merce de seus desígnios. O fato é que o assunto que eu intento abordar nessa minha segunda incursão como cronista, ou divagador se preferirem, necessitaria de tempo para uma pesquisa mais aprofundada. É óbvio que além do tempo, que combato ocupando-me intensamente e começo até a desconfiar dessa minha tática, a preguiça também foi um fator preponderante. Mas culpo o tempo, vil inimigo, pelos argumentos falhos e mau conduzidos que vou apresentar.

Depois desse breve introdutório que pretende me redimir do ridículo apresento o tema de fato desse texto: o pensamento. Eu estou me sentindo um tanto quanto obcecado pelo fato de ser capaz de pensar. Mas o pensar que eu quero discutir é aquele que não precisa ganhar o mundo através dos textos e das palavras e sim aquele pensamento íntimo, formado em nosso cérebro e que apenas serve para planejarmos, articularmos, orientarmo-nos no mundo.

Apresentarei agora alguns dos temas que deveriam ter sido aprofundados para esse texto. Primeiro o fato de que pensamos o tempo todo. A atividade cerebral é incessante, apesar de por vezes nem nós sabermos dizer em que estamos pensando. Sempre estamos pensando em algo e, provavelmente, às vezes não nos percebemos disso pelo fato de não sabermos a sensação de não-pensar e querermos incosciente experimentá-la ou ainda por nos habituarmos ao pensar a ponto de esquecê-lo, como nos acostumamos com os barulhos à nossa volta ao ponto de também não percebê-los após um certo tempo de exposição.

Em segundo lugar trago os conselhos e a experiência dos que ensinam línguas estrangeiras às pessoas que dizem que assimilar as regras e as palavras de uma determinada língua é uma tarefa não tão difícil quanto “pensar” em determinada língua. É comum ouvirmos que seremos ensinados a “pensar” em inglês (ou outra língua qualquer). Isso é facilmente explicado pela implacabilidade do Tempo, este homem enigmático, que não permite que você “pense” em sua língua nativa, traduza para o idioma em que está conversando e só então pronuncie a sua frase. Isso tornaria suas conversas lentas e entediantes para o seu interlocutor. É necessário, portanto, que você já formule as suas frases, seus pensamentos, suas idéias na língua em que está conversando.

Pois bem. Supondo então que eu saiba, de fato, expressar-me perfeitamente em português e inglês. Isso significa que eu sou capaz de pensar em português e inglês. Mas que constatação interessante essa, se de fato proceder. E como as regras e palavras e contextos e expressões são diferentes entre as línguas eu também sou obrigado a pensar diferente, adequando-me à língua na qual meu pensamento está sendo formulado. Mas fico eu com a seguinte pergunta: é necessário então uma língua para podermos pensar? O que pensa um bebê que ainda não tem uma línguagem desenvolvida? Ou será que a linguagem é somente a forma que a humanidade encontrou de expressar o seu pensamento…?

É exatamente essa última pergunta que me motivou a escrever esse texto. A resposta óbvia para ela é “Não” pois para a humanidade “inventar” uma linguagem é necessário utilizar-se do pensamento e portanto a simples existência da línguagem requer que o pensamento tenha sido instigado em alguma outra forma de expressão. Mas quando fazemos planos, traçamos metas e produzimos os nossos pensamentos íntimos sempre nos utilizamos de nossa línguagem e para aprender outra linguagem temos de aprender a pensar em outra linguagem. Então como são os pensamentos formados sem uma linguagem? Serão esses um subconjunto dos sentimentos? Ou será ainda que a linguagem é um conceito nativo, essencial, que é desenvolvido naturalmente por todo ser humano? Acredito que a resposta para essa última pergunta é obviamente “Não”. Tarzan não sabia falar uma “língua” coletiva, o que define de certa forma uma linguagem. Tarzan podia até possuir e produzir um conjunto de símbolos e sons que utilizasse quando queria expressar-se. Mas e se Tarzan tivesse um irmãozinho, teriam eles produzido uma linguagem?

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