Terceiro caco de vidro

MEU REFLEXO EM UM CACO DE VIDRO

O que leva cada um de nós a fazer o que fazemos todos os dias? O que me leva a acordar todas as manhãs (ao menos de Segunda a Sexta), levantar-me cinco ou dez minutos depois do despertador me acordar, escovar os dentes, banhar-me, comer correndo e pegar uma carona para o serviço. Trabalhar o dia todo numa correria só parando um pouquinho para uns comentários sobre como foi o fim de semana, o que fazer à noite ou para tomar um cafezinho. Fazer alguma coisa à noite ou no fim de semana para poder ter uma resposta para as perguntas no serviço sem precisar mentir e nem dizer: não fiz nada ou não tenho planos para hoje. Por que eu faço tudo isso?

Eu imaginava, quando era ainda mais jovem – sim eu sou muito jovem, que a vida adulta era uma vida de certezas ou ao menos de uma consciência maior. Eu sabia disso, na verdade. Pois só podia ser, era o caminho natural. Era natural pois à medida que eu crescia eu ia tendo maior consciência e também maior entendimento das coisas. Portanto quando eu tivesse 25 anos, como tenho hoje, eu seria uma pessoa com uma consciência adulta e um entendimento bastante bom das coisas. Mas não. Sei que vão me taxar de perdido (ao menos uma pessoa vai) mas isso não me incomoda. Preferia ter consciência hoje ou ter me enganado menos na infância e adolescência.

Eu sabia por quê eu ia brincar de bola ou de betes na rua. Era porque eu queria, eu me divertia fazendo aquilo. Eu sabia também por quê eu estudava tanto na época da universidade. Era para me formar e tentar conseguir um bom emprego depois. E é claro que eu sei que hoje eu trabalho para ter dignidade, para meu sustento, para ser um cidadão respeitável (parafraseando Raul). E é comum a nostalgia de querer voltar a ser criança pois é só lá que nos divertíamos sem culpa. A infância é o passado que não volta, a adolescência e os estudos são uma preparação para o futuro que se tornou o presente que é um continuar vivendo até a velhice. É claro que não precisa ser assim mas é assim que é. E é claro que eu não pretendo falar sobre todos apesar de imaginar que é possível que existam pessoas que sintam-se mais ou menos como eu.

Mas afinal do que é que eu estou falando? Eu queria perguntar a quem ler esse texto o seguinte: o que leva você a ler um livro? O que leva você a ver um filme na TV? O que leva você ao cinema? O que leva você a comprar um CD? O que leva você a um concerto de rock? O que leva você ao teatro? O que leva você a sair de casa? O que leva você a ficar em casa? O que leva você a beber cerveja? O que leva você a não beber? O que leva você à igreja?

Todas essas perguntas tem alguns motivos importantes. O primeiro deles é que eu acho que ter consciência é saber responder a TODAS essas perguntas sem titubear. É conhecer-se a ponto de saber por quê você diz ‘-Tudo bem’ ao invés de ‘-Vá se danar’. É saber que você não se arrepende de engolir sapos – e por isso não se lamentar do sabor deles ao passar apertado pela sua garganta. Conhecer-se é ter consciência do que faz gente ser o que a gente é e é também a chave para propor a si mesmo uma mudança. Dar-se uma chance de corrigir o que conscientemente não satisfaz.
A segunda coisa a respeito de todas as perguntas é que os amigos tem a ver com a maioria das minhas respostas e isso reflete o quanto eles são importantes para mim. Eu leio um livro para adquirir conhecimento, divertir-me ou para poder conversar com ele com meus amigos? Eu acho que existe muito mais no esquema de indicações de leituras do que julgamos. Eu ouço as músicas que os meus amigos gostam e eu tendo a gostar também. É claro que existem exceções e não estou nem cogitando a anulação da individualidade mas o fato é que, para mim, as amizades interferem bastante no que a gente é e no que a gente faz. Tanto nas frivolidades que mencionei quanto nas questões que realmente importam.

E isso faz com que eu compartilhe com os amigos que porventura lerem até aqui uma constatação à qual eu cheguei: ser adulto é preocupar-se com sua alma. Isso é ter consciência. É querer que todo ato e pensamento seja na direção do seu melhor. Eu quero ser o melhor profissional para ter uma carreira melhor, quero ser o melhor amigo para ter os melhores amigos, quero ser o melhor companheiro para ter a melhor companheira. E tudo isso que eu disse depende de mim. Eu é que tenho que tentar ser o melhor de mim, purificar-me, depurar-me. E outra coisa que a consciência vai permitir é encarar de frente os meus sonhos e, dadas as minhas limitações, transformar parte deles em vida real. É parar de se preocupar com besteiras e com atitudes que não merecem vinte centavos e nem trinta segundos de atenção.

A partir de hoje eu queria ter consciência do que sou e do que poderei me tornar. Ah, como eu queria que fosse fácil… mas ao que é fácil não é dado o devido valor e creio que às descobertas feitas com suor, redenção, lágrimas e empenho é que devemos almejar.

Quem sabe quando eu conseguir ter consciência – tendo em vista que eu já tenho consciência de que ter consciência é importante – eu consiga responder todas as perguntas que me faço, saber por quê eu trabalho todos os dias e não só três vezes por semana, por quê eu não faço e digo só o que me divertiria ou me satisfaria, por quê eu vou ao cinema e leio revistas sobre o assunto. Saber por quê e para quê eu existo, enfim.

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