Os Suspeitos

Os Suspeitos

Ao contrário de Gravidade, filme comentado na semana passada e que tem um trailer com a qualidade igualmente proporcional à do filme, quando eu assisti ao trailer de Os Suspeitos (Prisoners, 2013, dirigido por Denis Villeneuve) eu imaginei um filme muito pior do que eu acabei por assistir. O que é uma ótima notícia, afinal, ver suas expectativas serem excedidas é sempre algo muito bom.

Dia de Ação de Graças, duas famílias se encontram para celebrar a ocasião. Dois casais, cada um com dois filhos. Dois adolescentes, duas crianças. Conversa, bebida, diversão, brincadeiras e, de repente, nota-se que as duas meninas não estão ali. Saíram para buscar um apito que se havia perdido e sumiram. O tom festivo da projeção alterna imediatamente para uma tensão crescente, com um detetive sendo destacado para o caso, os pais entrando em colapso ao mesmo tempo em que tentam ajudar nas buscas e um suspeito sendo preso.

Por falar nisso, aproveito para dizer que Prisioneiros (tradução literal do título original) seria um título muito melhor, pois o filme não apresenta assim tantos Suspeitos assim para justificar a escolha da distribuidora e, por outro lado, temos muito mais prisioneiros neste filme do que apenas as duas meninas sequestradas.

O filme ganha pontos ao não tomar caminhos tão óbvios e ao explorar com bastante eficácia os aspectos morais que os personagens enfrentam. E é em sua trama e, principalmente, na força dos personagens e do elenco que a película ganha força. A começar pela dupla principal interpretada por Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal. São dois personagens antagônicos no sentido de que o pai de família Keller Dover (Jackman) é absolutamente simplório em sua brutalidade e seu sentido de defesa e justiça enquanto o detetive Loki (Gyllenhaal) é incrivelmente complexo, metódico, cheio de tiques (como o olho piscando descontrolado em diversos momentos da projeção) mas camuflado em uma personalidade de aparente calma e serenidade. Para complementar a gama de bons personagens temos o suspeito Alex Jones (Paul Dano, como sempre muito bem), que aparenta sofrer de um retardamento mental e ser incapaz de ter cometido um sequestro sem vestígios à luz do dia, e sua tia e mãe de criação Holly (Melissa Leo), que tenta protege-lo das acusações. A esposa de Dover, Grace, que entra imediatamente em um estado quase que catatônico após o sumiço da filha e o outro casal, Nancy (Viola Davis) e Franklin (Terrence Howard), que servem para dar o compasso moral ao filme, principalmente em seu segundo ato, depois do sequestro e tortura de Alex por Keller. Hey, não é spoiler, está no trailer… Vou passar a comentar alguns aspectos específicos da trama e que podem, portanto, estragar algumas surpresas de quem ainda não viu o filme (e nem o trailer).

Pois bem, nós ouvimos tanto quanto Keller o suspeito Alex dizer “Elas só choraram depois que eu as deixei”. E é fascinante para cada espectador tentar viver o dilema do pai e sentir em si se o que surge em nosso peito é condenação ou apoio aos atos que o personagem passa a ter após a revelação, que envolvem sequestro, tortura e muita loucura, numa verdadeira descida ao inferno. E o fato de Franklin fracassar ao ser deixado livre para soltar Alex mostra o quanto o dilema, mesmo para alguém com um claro senso moral, é mais complicado do que parece.

Além disso, o filme brinca também com a religião, mas de maneira bastante delicada. Keller é bastante religioso e é capaz de fazer o que fez, até mesmo rezando em diversos momentos ao pé do cubículo de tortura onde mantém Alex. Um padre (acusado de pedofilia e assassinato) diz apenas a verdade apesar de estarmos certos de só ouvir mentiras. Mas o assassinato é real, ainda que para um “bem maior”, em novo dilema moral que fica para o espectador refletir, apenas já na reta final da projeção. E o cinismo de batizar a tia de Alex como “Holly” (Sagrada) me faz ter certeza de que nada disso é ocasional.

Finalmente, além de tudo o que mencionei antes, cabe ainda dizer que a trama policial é muito bem conduzida e verossímil, exceto talvez pelo suicídio de Bob em plena sala de interrogatório, que achei um pouco exagerada, principalmente devido ao comportamento de Loki. E apesar do encerramento do filme ocorrer antes de presenciarmos o resgate de Keller, estou convicto de que ele acontece. Loki não é homem de brincadeiras.

Publicado originalmente aqui.

0 Seja o primeiro a curtir esse farelo

Esfarelado