Up In the Air/Amor sem Escalas/Nas Nuvens

Recentemente eu reassisti Amor Sem Escalas e o filme passou muito bem pela revisita. Aviso: os comentários a seguir relatam detalhes da estória.

A propósito, o título brasileiro vende a estória como uma comédia romântica e até contradiz a narrativa apresentada na película, pois se há um amor que nasce isso se dá após várias escalas e se há esse novo sentimento surgindo no personagem Ryan Bingham (George Clooney) não é, acredito eu, amor por alguém mas por um conceito.

Falando em títulos e traduções, cabe dizer que a versão que assisti – download ilegal – é a portuguesa. Lá na terrinha, o filme foi batizado de “Nas Nuvens”, o que é um título mais adequado mas remete, ao menos para mim, mais a uma alienação do que ao fato do personagem ter suas convicções sobre a vida, ainda que questionáveis no quesito humano e de interações mais intensas.

Finalmente, tomemos então o título original: No ar (Up in the Air). Simples assim, o título me remete a uma sensação de leveza, de “levitação”. E, no contexto do filme, isso me leva às palestras “motivacionais” perpetradas por Bingham no decorrer do filme. Nessas palestras Bingham pede para a audiência encher uma mochila imaginária inicialmente com coisas materiais de nosso cotidiano, inicialmente coisas pequenas chegando até itens como carros e casas… e, num segundo momento, adicionando também pessoas à mochila. Depois, ironicamente, ele pede para que ao sentirmos todo o peso da mochila, tentemos dar um passo. A idéia é de que a felicidade está no movimento e de que ao nos apegarmos a coisas e pessoas impedimos que esse movimento se dê com a facilidade que deveria.

No fundo, acredito que esse é o verdadeiro tema do filme, a transformação do personagem de mochila vazia, alguém alheio a contatos, compromissos, interações mais profundas, em alguém que quer dividir sua vida, partilhar seus momentos e suas conquistas, viver em família. Uma mudança de conceito.

E essa é basicamente a estória que assistimos. Bingham apresenta o ar (avião) e os aeroportos como sendo sua casa. Apresenta também seus sonhos e suas metas frias, numéricas, vazias. E no decorrer do filme, acompanhamos as modificações em sua visão de mundo causadas por suas interações com a jovem, idealista e entusiasmante Nathalie (talvez a melhor personagem do filme), sua paixão por sua versão feminina, a mulher perfeita para alguém como ele, Alex e o seu envolvimento com sua família em uma tímida e involuntária participação no casamento da irmã. E como isso tudo, somado, aos poucos vai trazendo-o de volta ao chão, de maneira cada vez mais permanente. E o chão, neste caso, simbolizando apenas e tão somente o oposto do ar que o caracterizava ao princípio.

Portanto, neste leitura, não é a toa que ao ser forçado a montar base em uma única cidade (não mais voar… como sempre ameaça seu patrão) ele já não mais seja capaz de proferir o discurso sobre a mochila vazia. Agora a transformação está completa e ele não consegue mais se ver sem a família reconquistada, sem a busca de alguém com quem viver, sem se envolver e valorizar aqueles que são capazes de se envolverem.

Filosofando um pouco, até consigo entender o final de certa forma pessimista para o personagem central. Após uma vida de desinteresse pelos outros – como representar isso melhor do que dando ao personagem a profissão de alguém que trabalha demitindo pessoas? – fazia todo o sentido que ele não conseguisse uma guinada de 180 graus tão rapidamente, apenas por que assim decidiu. Não, certos esforços precisam de tempo para que a recompensa venha e o grande mérito de Bingham é notar que sua mochila não pode ficar vazia para sempre, que movimento contínuo pode não ser a melhor resposta, que existem coisas a se valorizar um pouco além do materialismo frio e da vida livre para todas as oportunidades. Por vezes, temos sim que colocar coisas em nossas mochilas e zelarmos por elas. E mantermo-nos alertas para que, caso o peso comece a nos fazer tombar, tenhamos a sabedoria de novamente esvaziarmos a mochila para seguirmos avançando. A vida não precisa ser vivida com uma mochila vazia mas sim com uma mochila confortável, que nos faça bem.

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