Foi Bonito…
Fui a Bonito no último fim de semana para conferir a 14a edição do Festival de Inverno. Vi todos os shows que rolaram na sexta e no sábado. Rolou muita música boa! Música de gente daqui (Lucas Brandão, Marcelo Loureiro, Rivers) e de gente de fora (Toquinho, Paralamas, Criolo, Daniela Mercury). Diversidade musical e cultural e gente abraçando o evento e curtindo a oportunidade de ver a capital do ecoturismo no estado transformando-se, por uma semana, na capital da cultura. Há exposições culturais diversas, instalações de peças de arte moderna, teatros de variados gêneros, teatro interativo, espétaculos de dança, feiras de livros. Foi bonito ver Bonito tão linda!
Porém esse texto não é sobre o festival em si. Eu já escrevi o que achei dos shows em meu blog (links acima para os relatos dos shows de sexta e sábado). O propósito aqui em nossa coluna é falar da experiência de conciliar viagem e música, dois hobbies, e transformar isso em um estilo de vida. Tá bom, ficou muito ambicioso, eu concordo… bom, deixa então eu falar ao menos da experiência que foi viajar de carona com três desconhecidas para curtir dois dias de muita música.
Eu amo música e amo mais ainda música tocada ao vivo, como ela foi feita para ser apreciada. Eu tinha uma viagem marcada para pegar as chaves da minha futura residência, em Campinas, na segunda (ontem) e uma carona na sexta-feira para vir da minha atual residência (em Costa Rica, no interior do estado) para minha “residência transitória”, a casa do truta Teddy Yamada, em Campo Grande. Logo, eu iria passar o fim de semana por aqui… mas eu notei que estava rolando o festival de Inverno em Bonito. Mais do que rapidamente fui ver se ainda acharia pousadas livres (faltavam 4 dias para a viagem!), consegui e sem pensar duas vezes reservei! Pronto, tinha decidido que ia ao festival! Só faltava um probleminha a resolver: chegar lá na sexta para o primeiro show e voltar a Campo Grande a tempo de pegar o voo na segunda de manhã.
Comecei olhando locação de carro… estava caro, é claro! Uma amiga então indicou uma página de caronistas para o evento, no facebook. Entrei e postei, tal qual classificados: “procuro carona, vou na sexta a tarde e volto no domingo a tarde. Racho as despesas!”. No mesmo dia, já estava acertado com duas, agora, amigas! Problema resolvido? Que nada. A partir dai o problema foi tranquilizar a minha família de que pegar carona com desconhecidos era algo seguro. De que eu não seria encontrado, dias depois, em pedaços em uma mala por ai.
Preocupações desse tipo são naturais e compreensíveis. Tanto que houve também inquietações parecidas quanto a mim, por parte das meninas. Mas o que prevaleceu foi a confiança de que ainda há gente boa no mundo, de que podemos estender a mão para ajudar – e sermos ajudados. De que podemos esperar o bem. Não podemos só nos fechar cada vez mais, motivados muitas vezes pelo massacre da mídia que incute medo ao só reportar tragédias e divulgar ódio, morte e medo. Se assim for não precisaremos de casas, mas de casulos. A tecnologia hoje já permite vivermos praticamente isolados em nossas casas, mas é dando passos para fora, para o carro de uma desconhecida, rumo a uma cidade cheia de desconhecidos, que pude sentir vida e arte, pulsando em minhas veias. No processo, ainda ganhei duas amigas.
A experiência de contatos humanos também teve episódios durante a estadia. Reencontrei conhecidos recentes, outros mais antigos e conheci gente nova. O americano fã de hip-hop que queria fotografar-se com o Criolo. O casal que me pediu uma foto com os Paralamas ao fundo pois aquela era a “música deles”. O guia turístico de Floripa que nos meses de baixa temporada atua como paisagista. O figura que faz Dourados-Bonito em duas horas e meia. Os dois casais de almofadinhas, no hotel, que responderam ao meu “Olá, como vai” com um “Então, vamos voltar para o quarto?” entre eles. Pois é, nem tudo são flores. Há gente disposta a trocar uma ideia e conhecer gente nova. Há gente que acha que conversar com um estranho é cancerígeno.
Termino o texto com um trecho do show do Criolo, ponto alto do festival: “No Brasil, há preconceito sim. Há preconceito com nordestino. Há preconceito com analfabeto. Há preconceito com gente de cor. Mas não há preconceito se for os três e for rico”.
Publicado originalmente aqui.